Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 24 de dezembro de 2017.
Palácio Imperial de Hofburg, 18 de dezembro de 2017. Em um dos seus 2.600 aposentos um novo governo de coalizão é oficializado na Áustria. Após conturbada e pouco efetiva passagem pelo governo doze anos atrás, o Partido da Liberdade, originário de movimentos pangermânicos, com simpatias neonazistas, volta a dividir o poder em Viena. São as contradições da coalizão política, a fórmula que conduz à vitória de alhos, embrulhados em bugalhos.
Sebastian Kurz, que já vinha capitaneando a política exterior do país há anos, tornou-se o mais jovem Chanceler da Áustria em toda sua história. Guarda da cancela na Roma antiga, Ministro das Relações Exteriores no Brasil, Chanceler, nos países germânicos é o título dado ao chefe de governo. Kurz tem 31 anos e, nesse mundo de ponta-cabeça, encarna a volta do país aos seu passado e seus valores imemoriais, datados e assentados muito mais numa super-idealização do império austro-húngaro, que não voltará, do que em ideias e desafios que olhem em frente em direção ao progresso. Quando as coisas não vão bem o passado sobe as costas das pessoas e tira delas a alegria com o futuro.
Como não poderia deixar de ser, uma das coisas que mais anima a população que apoia Kurz, e seu barulhento grupo, é a revisão das acertadas fronteiras regionais, físicas e culturais já pactuadas. Ousadia da inexperiência e da desinformação. Kurz apresenta-se como pró-europeu, mas quer dar passaporte austríaco à população de língua alemã residente no que é hoje parte do norte da Itália, na província autônoma de Bolzano-Alto Ádige. Ao mesmo tempo, como se fosse possível comer o bolo e ter o bolo, ameaça fechar a fronteira na altura de Brenner, o limite natural formado nos Alpes entre Áustria e Itália.
O retorno da extrema-direita na Áustria foi acompanhado de uma ação exemplar de defesa da União Europeia. O discurso impositivo é de reconhecimento dos valores acordados de “respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos humanos” em confronto com a recente experiência legislativa de restrição de direitos promovida na Polônia.
No caso polonês, a Comissão Europeia solicitou que o Conselho Europeu aplique o artigo 7, do Tratado da União Europeia, sobre a Polônia do presidente Andrzej Sebastian Duda. As autoridades constituídas na Comissão Europeia aludiram a um claro risco de grave violação dos valores da UE por parte de Varsóvia. O partido fundamentalista de direita, que governa a Polônia sob o nome de Direito e Justiça, aprovou uma série de leis que na visão de Bruxelas, sede da União Europeia, rompem com a divisão equilibrada entre os poderes cassando a independência do Poder Judiciário.
A dura e incisiva ação de Bruxelas pode acabar aumentando a popularidade do governo polonês que repetidamente lança tintas negativas sobre o que se transformou a União Europeia, pintada como uma nova União Soviética. Bruxelas, segura pelo apoio que recebe de Paris e Berlim, não poderia deixar de confrontar Varsóvia que vinha teimando, há tempos, em esnobar suas recomendações. E avança para menosprezar as preocupações expressas pelos líderes europeus preocupados com a agenda que o país vem abraçando de retórica expressamente marginalizante.
Tal movimento oficial da União Europeia é inédito. Sem dúvida ele é a mais significativa ferramenta à mão para lançar luzes de constrangimento a qualquer movimento amplo de descaso com a solidariedade, promotor de discriminação, intolerância, injustiça, e dissonante da igualdade entre homens e mulheres. Ao defender que o acordo que os uniu celebrava a construção de uma sociedade que se quer “caracterizada pelo pluralismo” ele trespassa a Polônia, e atinge a Áustria. É sobretudo uma demonstração de determinação da União Europeia de ter, diferentemente do que fez até aqui, uma deliberada concertação política de contenção ao populismo nacionalista desagregador. O sopro da intolerância que seduz países e regiões, fragilizando a ideia da união que tanta prosperidade com estabilidade trouxe.
No mesmo Palácio Hofburg, cerca de dez dias antes, ainda como ministro, Sebastian Kurz recebeu seus pares para o encontro de 2017 do Conselho de Ministros da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). A entidade tem como missão se antecipar a possíveis conflitos e a evitá-los. Está sendo testado o artigo 7 do Tratado da União Europeia. Seu poder de dissuasão daqui para frente dependerá sempre da forma e da velocidade como será conduzido. O principal teste de sobrevivência para o grupo majoritário que hoje governa a UE de olho nos dissidentes em ascensão.
Feliz 2018 para todo o mundo.
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PAULO DELGADO é Sociólogo
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