O BRASIL NA OTAN
Todas as vezes que as coisas apertam na economia aparece alguém “revolucionário” para dizer que é preciso domar o mercado e o capitalismo e colocá-los a serviço da prosperidade e da justiça social. Ninguém tem a coragem de dizer que falhar e vencer é a maior lição da vida. Já na área de defesa, o ideal nunca vem embrulhado na pasmaceira do sonho.
Em 1949, quando foi criada, a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) contava com 12 países. Um novo país pode entrar na organização, via governo dos EUA, caso conte com a concordância unânime dos demais membros e, segundo o artigo 10 do tratado, seja europeu. De lá para cá, 17 países se somaram ao grupo. Montenegro, pequeno país à beira do Mar Adriático, de frente para o sul da Itália, foi a última nação acolhida. Até que em Washington, durante conferência de imprensa no Rose Garden da Casa Branca, Bolsonaro ouviu a confirmação pública de que Trump tem a “intenção de designar o Brasil como “aliado importante fora da Otan”, ou mesmo possivelmente “um aliado da Otan”.
Ser um “aliado importante fora da Otan” não quer dizer muita coisa. Para o lado brasileiro, só por deixar os EUA usarem a Base de Alcântara e ter a Embraer em joint-venture com a Boeing na área de defesa já pagam a fatura. Todas os demais itens que se tornam disponíveis com tal tratamento são muito mais interessantes para os Estados Unidos. Como o Brasil, de fato, nunca antagonizou os EUA, a história de aliado extra-Otan na região já foi usada como migalha lançada à Argentina pelo governo Clinton, em 1998, para ver se espezinhava o Brasil.
Nunca nos espezinhou, e o convite ao vizinho nunca pôs nada substancial na mesa argentina. Celebrar a aliança entre Brasil e EUA com isso é como comemorar quinta colocação em campeonato mundial. Ajuda os EUA, donos da bola e do campeonato, sem dúvida. Afinal, ter o Brasil nesse grupo, ao lado de Paquistão, Afeganistão, Tunísia e Egito, legitima os EUA na imagem que passa para a comunidade internacional e nas suas barganhas militares mundo afora.
Para o Brasil, por outro lado, é basicamente aceitar ser equiparado a Paquistão, Afeganistão, Tunísia e Egito. Grandes países com grandes histórias, mas, no contexto atual do mundo, não, obrigado. Nem os EUA deveriam querer isso e sabem por quê. Se for só por conta de uma guerra com a Venezuela, que a administração Trump está doida para começar, não se assentam em bases sólidas. O horizonte de uma nação é muito mais longo e tal imediatismo não faz jus a tudo que gerações e mais gerações de brasileiros construíram para colocar o Brasil em pé, altivo e livre, contribuindo para um mundo melhor, inúmeras vezes ao lado dos EUA.
Trump faz um convite confuso, sem modelo claro, ao maior país da região. Convite que já foi feito à Colômbia. O que foi, a propósito, um acordo esdrúxulo também feito, em parte, para espezinhar o Brasil, mas que atingiu um pouco mais tal efeito. Desde 2013, vieram as conversações da Otan com a Colômbia e o Brasil, à época, não soube encaminhar corretamente seu interesse e da região — nem com a Otan, em geral, nem com os EUA, em específico. O Brasil foi empurrado à revelia, e a Colômbia entrou como aliada do grupo ano passado. Por que o Brasil não propõe que os EUA articulem nossa entrada como “parceiro global” da Otan com mais celeridade, qualidade e efetividade do que foi empregado para com a Colômbia? Simplesmente porque o Brasil sempre foi parceiro dos países da Otan, inclusive nas duas guerras mundiais, como nenhum outro país latino-americano.
Participar da Otan, para efeitos de compartilhamento de tecnologia e de reflexão sobre ações necessárias para garantir a estabilidade global, são suficientes para reconhecimento de sua relevância estratégica. De modo geral, há uma sobreposição entre ser denominado aliado extra-Otan dos EUA e ser também parceiro global da Otan. Tal é o caso explícito dos países com os quais os EUA não partilham apenas guerras, mas também a prosperidade e o futuro. Nos serve mais ser tratado como Austrália, Japão e Coreia do Sul.
Acima dessa categoria, há o caso de Israel. Em 2014, o Congresso americano tornou lei a parceria estratégica entre EUA e Israel. Tal é um caso único e amplo o suficiente para receber adequadamente o título de parceria estratégica. Como o Brasil não conta, nem de longe, com um lobby em Washington forte como o de Israel, tal ideia poderia se perder na burocracia. Entretanto, ali está bem esquadrinhado um tipo de acordo que pode orientar o que é uma verdadeira parceria estratégica. Caso contrário, o Brasil poderá resolver o problema americano sem mirar o interesse do próprio Brasil. Um contrassenso que nem mesmo a liderança americana compreenderia.