O CHILE E AS PESQUISAS

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 10 de dezembro de 2017.

O Chile elege, na semana que antecede o Natal, seu novo presidente. A disputa entre Sebastián Piñera, Chile Vamos – nome-mania com que batizou seu bloco de centro-direita – e Alejandro Guillier, da coalizão governista que conseguiu liderar o voto de centro-esquerda, não contém significativa boa-nova. Mas traz alertas daquele que é o mais bem-sucedido país da América Latina, dentro do contexto que vivemos de 1980 para cá.

O país é uma tripa de cobre, aparentemente com a política mais equilibrada da região, talvez pela sua também abundância em lítio. Abençoado lítio, que torna aviões mais seguros, carros elétricos viáveis e compõe a fórmula de medicamentos que ajudam a equilibrar mentes ansiosas. O país andino tem uma desértica beleza desconcertante. É empurrado ao mar pela cordilheira que o protege, maternalmente, dos turbilhões da virilidade mal resolvida que vem dos interiores da política do continente. Cordilheira que em troca o expõe ao oceano de problemas e soluções que é estar aberto para o mundo. O Chile é o país que mais entende da necessária convergência que deve ter a política e a economia, as duas pontas geradoras de sua prosperidade nas últimas décadas. Também é o que está, pela geografia, fadado à maior exposição aos países banhados pelo Pacífico, região que é o futuro imediato do planeta. Podia não se valer do mar, ou não saber usar isso, mas razoavelmente o faz.

Ao sugerir que houve fraude no primeiro turno da eleição presidencial ocorrido em novembro passado, Sebastián Piñera, ex-presidente que parecia liderar, mas não conseguiu evitar o segundo turno, pode ter dado um tiro no pé. Não é em todo lugar que vale a pena jogar com a superficialidade da onda que varre o mundo e consiste na constante manipulação da opinião pública, chamada sempre como testemunha de falsidades, ou verdades incompletas. No meio da confusão do inesperado resultado favorável ao governo estão, outra vez, as pesquisas de opinião.

As pesquisas não conseguem expressar mais todos os elos da cadeia que levam uma pessoa a pensar e a responder a um questionário. O pesquisado não tem nenhuma ilusão sobre o lugar que ocupa no sistema de decisão do país. Não está, pois, em guarda, como estão os verdadeiros interessados na sua opinião. Na sua cabeça, a pesquisa é um jornal já lido.

Assim, desmonta a lógica da estatística, mesmo não tendo propensão a mentir. O fato é que quando ninguém sabe direito o que pensa o povo costuma abandonar o conceito clássico de preferência e apostar na ideia sem sentido de “gostabilidade” eleitoral de algum conhecido. Gostar não é escolher, fenômeno que sempre conduz ao erro.  Ninguém é dono do eleitor. Por um motivo simples: de nada adianta você estar na frente se você está na estrada errada.

Ainda que o Chile seja o mais desigual dentre os membros do clube dos países ricos ele parece curado da maldade da manipulação política. Há ali um povo  interessante, sobrevivente, culto. Para muitos o ex-presidente Piñera, a presidente Bachelet, o ex-presidente Lagos, o noviço Guillier, são um luxo distante. É inédito entre nós: esquerda e direita convencidos que ninguém é feliz cobrando do Estado exoneração das dificuldades da vida.

As pessoas são vítimas, às vezes cárceres, das circunstâncias. Pode-se romper com isso, como o Chile rompeu.  O candidato de centro-esquerda Alejandro Guillier, da coalizão governista Nueva Mayoría, beneficiou-se ou soberba, ou da bobeira de Piñera, sacramentando então a atração da descolada Beatriz Sánchez, os jovens livres, que despontou como fresca opção contestatória.

Não é de hoje que se promove um vale tudo em eleições presidenciais no continente. O Chile decidirá entre Piñera e Guillier no dia 17 próximo. A crise, sem  recessão, ainda assim favorece os anti-tudo: globalização, corrupção, violência, acomodação, caridade, seriedade, pobreza, diferenciação, homogeneização. O mau humor será testado dentro do turbilhão do faroeste que são as pesquisas de opinião. Mas começa no melhor dos contextos, cada um decidindo livremente, com voto facultativo. Ano que vem temos paradas mais duras no México, Colômbia e Brasil.

Shannon O’Neil, autora do interessante livro Duas Nações Indivisíveis, sobre a relação México-EUA, alertou recentemente para o fato de que “o México permanece extremamente vulnerável à interferência Russa que ocorreu na eleição de 2016 nos EUA. Facebook, Twitter e Google são importantes fontes de informação para muitos mexicanos”. Enfim, algo pior do que as pesquisas. As contradições autodestrutivas do indivíduo, espalhadas anônima e irresponsavelmente nas redes sociais, são a maior ameaça estética e o desastre ético das eleições modernas.

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Paulo Delgado é sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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