O que podemos esperar

O Estado de S. Paulo – 12 de Janeiro de 2022.

Como remédio com prazo de validade vencido e bula perdida, o governo, sem noção, me lembra a expressão da nonagenária italiana, mãe de um amigo meu: ele é a falta total de absolutamente. Do lado de cá, a vida social, econômica e civil tenta não se embriagar de amargura, vendo a política como uma coisa falha. Viver é assunto muito grande e dele ninguém escapa fugindo. Começou o ano da eleição com muitos acontecimentos e nenhuma ideia. O Brasil não está destruído, ele não está mais é protegido.  

Tentar alguma iluminação para lidar melhor com a informação é essencial. Não há país mais fácil de entrar do que o Brasil. No entanto, não há país que menos se esforce para ser atrativo nem para os brasileiros que querem vencer pelo próprio esforço. Nosso modelo político e judicial não serve para o sucesso social e econômico do País. Suga mais da vida do que devolve de volta. 

Nenhum grupo político econômico brasileiro moderno sobreviverá, se fingir que não está vendo como estão se organizando os recursos de poder dentro do Estado. Aproveitando a coincidência momentânea de três deficiências, a sanitária, mais aguda, a política e a econômica, crônicas, nos Três Poderes existem movimentos que vão deteriorando os mecanismos democráticos e colocando a sociedade em regime de liberdade marginalizada.  

Desde os anos 2000 a política iniciou sua migração para o sistema público de financiamento, para fugir da interação social de ter de prestar contas à sociedade. O partidarismo pelego ocupou o lugar do peleguismo sindical. Consolida-se a ideia de um tipo deputado classista – do sindicato do orçamento – se unindo à lógica do quinto constitucional, o sindicato dos juízes leigos. Esquerda e direita fundaram uma Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira(CPMF) Partidária e Eleitoral. Pretendem sobreviver assim, sem mudar. E quem não muda melhor é imperfeito. Boa tradição é perfeição, mas a associação entre voto obrigatório com contribuição partidária obrigatória é dor imposta a cidadão de senzala.  

Os partidos políticos não são mais associações livres e ainda que nacionalistas, como decidiram se sustentar com dinheiro público, ameaçam o orçamento nacional. O Fundo Eleitoral e Partidário é a tampa que fechou de vez a vasilha civil da política. Governo novo é para enterrar o imposto eleitoral na mesma cova do imposto sindical. 

Se o Estado se sente estabilizado com o desregramento do poder e a falta de restrição financeira, indiferente à saúde da moeda, ele se põe contra a sociedade. Governo sócio da crise não gosta de arcar com as consequências do que faz. Dedica-se a ser popular. Boa campanha fará quem não for capaz de fazer da necessidade de alguém um jeito de enganá-la ou suborná-la. Que busque aliados, sem submissão. E que não use a pobreza como forma de fazer o pobre subjugado, e nunca ser livre para poder se dedicar ao que pode ser.  

Sempre tivemos mais diversidade do que uniformidade estimulando a capacidade de grupos de expressar poder no Parlamento. Agora, organizados como sociedade mútua contra o erário, o zelo em cortejar é maior do que o de fiscalizar. Funcionando como um playground de despesas, não tem tempo de atuar. E se manda tudo para o Supremo, vá ser juiz, não deputado ou senador. Não é, pois, consistente nem coerente financiar um pluripartidarismo caro, ruim, sem voto, com leis eleitorais e decisões judiciais de encomenda. Entupido de leis, o Brasil precisa de alguém fora da moldura que saiba usar a crítica como um ramo da sabedoria. Uma pessoa normal que se tomar empréstimo se sinta endividada e disposta a pagar. 

É inevitável o debate sobre a força dos protocolos extrainstitucionais que fizeram os interesses da corrupção predominarem sobre a responsabilidade da Justiça. É urgente que o Judiciário caia em si e reveja o papel negativo do hip-hop de juízes grafiteiros que, por interpretação própria da lei, criaram a democracia torta que praticamos. Crime de colarinho branco existirá enquanto membros de governo tiverem o hábito de querer ser sócios de fornecedores. Para amarrar poderoso, a lei no Brasil é frágil como barbante. Já para encher a cadeia de pobre, é aço. Juízes, policiais e políticos são os que mais temem o fantasma que pulou fora da jaula da ordem e está solto fazendo campanha. 

Ninguém vence eleição exigindo o voto somente de eleitor igual a ele. Em tempos difíceis, na urna de um vitorioso tem de tudo: raiva, interesse, simpatia, indiferença e niilismo. Como fã da fantasia, o imperfeito é o preferido do eleitor. A democracia movediça é seu paraíso. Nenhum candidato a presidente acrescenta estranheza à sucessão. Mas há nuances. Tudo desmorona quando o centro não resiste, levando o caos à cultura democrática. Observe os coiguais, direita-esquerda, e os estereótipos que invadem sua fama. Leve a sério o independente e a razão da sua emoção à flor da pele.  

Na estruturação de uma vitória eleitoral, o eleitor é o último que entra. Seu mantra é o silêncio. Por isso, melhor tirar de cena a esperança. Um bom futuro presidente é uma exigente construção prévia, não um anseio. 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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