Risco geopolítico na Europa

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 6 de março de 2022.

Organizado por Dario Caldara e Matteo Iacoviello e utilizado pelo FED, o Banco Central dos EUA, o Índice de Risco Geopolítico ultrapassou a barreira dos 400 pontos com a invasão russa da Ucrânia. 

O índice de Caldara e Iacoviello é um indicador de percepção de risco medido a partir da cobertura de 10 jornais de 1985 para cá. Dada a impossibilidade de uma medição perfeita, esse índice, com todas suas limitações, ajuda a comparar o impacto da percepção de crises internacionais ao longo dos anos. 

Por exemplo, a barreira de 400 pontos só foi ultrapassada em seis ocasiões nos 37 anos de 1985 para cá. Isso ajuda a ver que o grau da preocupação geral é especialmente alto.
As outras cinco ocasiões foram: a guerra do Golfo em 1991; os ataques terroristas de setembro de 2001 (onde o índice foi a mais de mil pontos); a invasão do Iraque pelos EUA em 2003; os ataques terroristas perpetrados no metrô de Londres em julho de 2005; e o assassinato do general iraniano Soleimani, na capital do Iraque, por ordem explícita do presidente Trump, em janeiro de 2020. 

Cada um a seu jeito, todos momentos que causaram apreensão acerca da estabilidade do regime de segurança global.

Com a declaração pela OMS da COVID-19 como uma pandemia global em março de 2020, o mundo foi colocado em confinamento, e as pessoas se dividiram entre a esperança e a preocupação. A esperança era de que a pandemia seria a pá de cal no espírito de animosidade e conflito exagerado que geram uma desordem global e um mal-estar generalizado.

Por outro lado, a preocupação era de que a pandemia não mudaria (para melhor) a ordem mundial e de que seria justamente um solo fértil para ainda mais confusão.

Putin parece tomar decisões que demonstram desinteresse em questões econômicas e comerciais de simples bem-estar, só tem olhos para a alta política e abraçou o militarismo para além de sua obsessão com serviços secretos. Não é realismo, mas um profundo mal-estar com a posição da Rússia, que Putin confunde com a posição dele, no mundo. 

Não é de hoje que uma visão de que modos alternativos e diplomáticos de se fazer política internacional são fúteis estão na cabeça de maus governantes. Fracos e fortes estão todos achando que só a força resolve. Essa é a maior tragédia da última década. E todas as potências estão pedagogicamente implicadas.

A ideia de que a força militar não serve apenas para a defesa, mas também para se reorganizar a ordem das coisas, foi testada com a anexação da Crimeia em 2014. Invasão que agora se estende para a Ucrânia. 

E não estão errados os que temem que a percepção de segurança de Moscou seja de que precisa avançar um pouco mais para oeste. Mas o que a Rússia quer mesmo é um acordo executivo no mais alto nível com os EUA para consolidar noções de honra e coexistência. Algo que ela recentemente conseguiu com a China. 

No início dos anos 1990, a União Soviética em seus estertores via com boa vontade a manutenção da OTAN na Europa para ancorar a reunificada Alemanha. Eventualmente, a expansão da União Europeia e da OTAN para o leste passou a deixar para lá a manutenção da boa vontade russa. 

E a União Europeia passou a pregar sua “autonomia estratégica”, enquanto nos EUA aumentava o sentimento por privilegiar uma agenda “América em primeiro lugar” entre republicanos e democratas. 

Ainda assim, a OTAN continua unida no Atlântico bem ao Norte e com uma importante reação ao despotismo de Putin que parece dar pouca importância para defender a segurança humana e os direitos humanos. Todavia, a reação da OTAN é uma reação que mescla elementos de hierarquia e de precariedade. 

Afinal, os EUA são os comandantes supremos da OTAN, a qual se estrutura em torno do compromisso de defesa coletiva. Mas com a prática do “America First” são os EUA mesmo que fissuram sua hegemonia na Europa. 
Essa quebra na visão que os EUA manifestam sobre sua função no mundo também é um mal-estar com a realidade e força improvisação de “aliados” na Europa. Aí mora o perigo. Não é nem questão de coerência, trata-se apenas da possibilidade de que dê errado e pragmaticamente não funcione. Assim, a União Europeia se vê forçada a tratar da própria segurança ainda dentro da OTAN. Tem que se liderar sem se comandar.

Em um mundo tão preocupado com questões de bom comportamento segue-se existindo uma obsoleta visão que enfatiza dicotomias entre Oriente-Ocidente, norte-sul, forte-fraco. E é nessas brechas que o autoritarismo avança. Porque ele organiza o que vai se mantendo desorganizado por falta de compreensão e responsabilidade. 

O risco geopolítico é a desconfiança de que o equilíbrio está se tornando incalculável e a fala da guerra mais atual do que a da paz.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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