Sentimentos do Mundo

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 9 de janeiro de 2022.

onze atrás essa coluna inaugurou em janeiro o hábito de projetar o que animará a política global nos doze meses à frente. Com foco nos atores de maior influência internacional a partir de uma perspectiva brasileira, ao longo dos últimos anos acompanhamos como os desafios das nações estão, para bem e para mal, cada vez mais entrelaçados.

A hiperconectividade comercial, financeira, de dados, informações e pessoas faz parecer que tudo muda muito rápido. Mas para além do fluxo, há permanências. Talvez o segredo seja conseguir mudar rápido as situações ruins e dificultar ao máximo que se desequilibre os bons arranjos. Décadas perdidas ocorrem nas nações que não harmonizam interesses domésticos com seu espaço no mundo e importam problemas que não lhes dizem respeito. Comportamento em que o Brasil é imbatível.

De 2011 para cá as tensões no Canal da Mancha desaguaram no Brexit, o qual não solucionou muita coisa. A desunião com o continente pouco a pouco faz o Reino Unido, o mais liberal dentre os bem-conservados países do mundo, a “se dar conta de que será o mais dependente da fortuna dos outros”. O Brexit o colocou no colo dos outros, com forte aposta nos EUA, o líder mundial que vive às voltas com problemas internos que emergem “das tragédias que dividem sua sociedade”, inclusive o fenômeno Trump.  

Enquanto isso o acordo inter-regional entre Mercosul e União Europeia continua engavetado pelos europeus. Em 2022 não irá para frente, “apesar de defender um mundo multipolar que privilegie o multilateralismo. Mais do que somente comércio, para ambos os polos isso é importante em um mundo dominado por EUA e China, ambos em modo expansionista. A manutenção de uma certa democracia republicana entre as nações é fundamental para a defesa dos direitos humanos e democráticos dentro das sociedades”. 

“A Alemanha, que sabe o quanto deve à Europa,” se inspirou mais em ideais de parceria e corresponsabilidade e chegou a 2022 com a mais funcional democracia do continente e exemplo para o mundo. Exemplo para a França “que vive mais profundamente os problemas do sentido da política”, abrindo “caminho para desastres sociais”. A Rússia, começando um 2022 com tropas na Ucrânia e no Cazaquistão, segue machucada/machucando e “com ilusões de força próprias de quem vê o mundo como um soldado.”

“Quem vê o futuro como prolongamento do passado pouco verá; quem se mantiver dogmático e fechado para inovações, pouco contribuirá para a formulação dos princípios de esperança que o mundo necessita.” A constatação de que “um dos grandes desafios é abandonar energias poluidoras” vai ganhando força global. A COP-27 será no Egito. O país de maior população do mundo árabe – região marcada pela bonança e os efeitos perversos do petróleo – pode ajudar a zerar globalmente as emissões líquidas de gases do efeito estufa.

Todas as nações “precisam mudar sua compreensão do que seja responsabilidade local, regional e mundial para merecerem fazer parte de alguma hierarquia de valor oriunda das posições que ocupam.” Às mais ricas, mais responsabilidade, mas sem comodismo por parte dos demais, pois é ao tomar mais responsabilidades que as sociedades progridem. Veja o caso do Vietnã, que já  produz carros com motor elétrico com vistas a abastecer a demanda reprimida nos EUA e na Europa. É uma aposta de alto risco com alto retorno, aprendida com seus vizinhos asiáticos que sabem que ganhar o mundo é a única saída sustentável. A sofisticação industrial do Vietnã cresceu por investir para o futuro. O país tem mais robôs industriais instalados do que o Brasil. E isso não causa desemprego, os complementa, com a criação de trabalhos mais sofisticados na indústria e nos serviços.

Faz dez anos que, ano após ano, três em cada quatro robôs industriais estão instalados em apenas cinco países: China, Japão, EUA, Coréia do Sul e Alemanha. É uma fotografia de quem direciona o mundo. O que tem de mudança rápida no mundo é isso e o espaço cibernético ao qual estão conectados. A China, com sua ascensão vertiginosa, concentra a maioria desses robôs, mas segue tendo dificuldade para aumentar “o grau de confiança do mundo em seu sucesso e aceitar a democracia como valor universal”. 

Em paridade do poder de compra, a Índia não só consolidou seu lugar como terceira economia do mundo, como nos últimos dez anos dobrou seu PIB. Muita gente segue sem saber disso, inclusive muitos indianos não notaram. O Japão, ainda terceiro em valor em dólares do PIB, segue às voltas com a rigidez cultural, as mesmas que fazem com que o mundo da Ásia-Pacífico tenha tantas rivalidades mal resolvidas. Após o bate cabeça dos últimos onze anos, que a harmonia prevaleça em 2022. 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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