Três Lis da China Moderna

O novo primeiro-ministro chinês Li Qiang substituiu, no segundo cargo mais importante do país, a Li Keqiang, aluno de doutorado e seguidor do mago das reformas chinesas, o economista Li Yining, falecido em fevereiro passado, aos 92 anos, em Pequim.

Dos três Lis, certamente o falecido professor da Universidade de Pequim é o mais completamente brilhante. Não somente por ter fornecido as bases teóricas e práticas para a China chegar onde chegou, como porque sentiu na pele o efeito de tal sucesso. Na política de controle partidário é comum o brilhantismo intelectual de uns entrar em contradição com o reconhecimento do seu valor pessoal, levando ao ocaso os educados em pensamento livre e desarmante. O maior prêmio que recebeu na vida foi do Japão, Prêmio de Cultura Asiática, em Fukuoka. No entanto, quando a China passou a crescer para valer nos anos 1990, o presidente Yang Shangkun lhe concedeu o prêmio de Inovação em Teoria Econômica.

Li Yining foi perseguido por suas ideias de abertura econômica e banido para fazer trabalhos manuais rurais. Reabilitado – adjetivo que as autoridades usam para pedir desculpa sem precisar mudar o comportamento autoritário – se tornou o principal proponente das reformas de Deng Xiaoping. Defendeu a privatização de estatais, estimulou a abertura da Bolsa de Valores e proclamou que sem mudar a mentalidade estatista é impossível pensar em prosperidade nacional, familiar e pessoal. Segundo ele, é a competição que cria a responsabilidade individual por lucros e perdas econômicas e é a força motriz para o desenvolvimento da nação. Acusado de poluição espiritual por uns, era festejado como o Sr Mercado de Ações por outros.

Já o atual primeiro ministro é conhecido pela origem modesta, carreira de operário e por ter sido o secretário-geral do Partido Comunista de Xangai. Hoje, o Li Qiang que exerce o poder de segundo poderoso da China, é o mesmo que fracassou na gestão por confinamento da população para o combate à COVID-19 em Xangai, cidade mais populosa e maior centro econômico do país.

Não importa, em política ninguém está clinicamente morto. É ele quem controla as rédeas da política econômica da segunda maior economia do planeta e o faz na direção contrária de seu antecessor e em confronto com as ideias do professor Li Yianing. Recentemente tentou mudar sua imagem ao receber empresários e investidores estrangeiros para tranquilizá-los de que é sólido o crescimento de longo prazo do país e os fundamentos da economia do governo Xi Jiping. O dado concreto é que, para o dono do dinheiro, a queda em crescimento, investimento, exportações é mais preocupante do que a retórica de Xi querendo deteriorar as relações com o Ocidente.

Quando Li Keqiang veio a América do Sul e ao Brasil, em 2015, o que se ouvia em Pequim era que a região era como um quintal dos Estados Unidos. A China deveria procurar sacramentar bons negócios, mas não deveria perder de vista a necessidade de por alguma lenha na fogueira para aquecer, com o calor dos outros, os jogos estratégicos entre as duas potências do mundo.

Enquanto isso, os EUA, que privadamente fazem indescritível fortuna na China, vão, como Estado, à periferia chinesa com uma agenda cada vez mais militarista. Nessa linha, o Pentágono não ajuda muito ameaçando também a soberania de Taiwan.

A política americana de contenção militar da China esbarra na reação chinesa de acariciar o lado econômico do ocidente pobre. Mestre-sala da agenda de apaziguamento econômico, ao estilo chinês, não há mais o elegante Lieqiang, que é casado com uma professora e tradutora de literatura inglesa – tendo ele mesmo na juventude participado da tradução de uma obra do jurista inglês Lord Denning. Nem há seu visionário professor Li Yining, homens brilhantes que carregavam com maestria o pendão da construção do tal Socialismo com Características Chinesas, trazido à luz por Deng Xiaoping e continuado por Jiang Zemin e Hu Jintao.

Há 10 anos, sentado na sala Hong Kong do Grande Salão do Povo, Li disse ao “Financial Times” que a China não busca alterar o atual sistema internacional. Afinal, desde que passou a fazer parte dele, ao substituir Taiwan no Conselho de Segurança da ONU, o país tem sido o maior beneficiário do jogo que domina com sabedoria. Se Xi Jinping quiser ter sucesso há muito que aprender com líderes chineses que souberam escrever com brilho os termos extremamente favoráveis das relações com os EUA. E prestar honras a Li Yining, pioneiro das reformas e da abertura da China.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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