Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 29 de abril de 2012.
Não é a riqueza que confere forma e consistência às coisas. É a sabedoria que invade o coração e os artesãos em suas oficinas quando tocam os materiais com maestria. O Timor Leste, território distante entre o sudeste asiático e a Oceania, atraiu os navegadores portugueses por causa do sândalo, sua madeira perfumada e branca, quase um marfim, para construir os móveis aristocráticos das cortes europeias. Hoje não resta nada da velha riqueza. Mas foi erguido um país sobre as ruínas que o colonialismo português deixou ali, abandonadas nas mãos ferozes da Indonésia.
Quando lá cheguei como observador da Organização das Nações Unidas (ONU), no final dos anos 90, o território ocupado pela Indonésia ainda continuava em guerra. Vi pela primeira e última vez na vida cabeças cortadas penduradas em pedaços de pau pela beira da estrada. Entendi o conceito filosófico de gradação do mal quando Dom Ximenes Belo, bispo e prêmio Nobel da Paz, me acalmou dizendo que, pelos costumes tribais, a alma, se deixada ao chão pelo assassino, não sobe ao céu. Espetada, é apenas mais um trágico troféu da atrocidade da guerra. Foi o mesmo bispo Belo que, em outra ocasião, percebeu antes de todos nós quando, a partir de imagens do Brasil usadas na apresentação de um telecurso, transmitidas em tela improvisada dentro de uma igreja, um rumor de agitação indignada tomou conta dos timorenses. É que misturada a imagens das praias, cataratas, florestas e cidades congestionadas, surgiu a cerimônia da celebração da missa durante uma das visitas do papa ao Brasil. No momento da eucaristia, a hóstia consagrada é tocada e levada pelas mãos de leigos para realizar a comunhão. Antes que a revolta tomasse conta de todos diante do que foi visto como um sacrilégio, Dom Ximenes correu ao microfone para acalmar o povo. Explicou que as derivações do ecumenismo oriundos do Concílio Vaticano II, e que modernizaram a liturgia católica, já estavam sendo aplicadas no Brasil e logo chegariam ao Timor independente.
Xanana Gusmão, “Um poeta Prisioneiro, Político e Líder Popular”, nos dizeres do informe publicitário publicado no Financial Times de Londres no início do mês, aparece sorridente afirmando que a comunidade internacional pode confiar no Estado democrático em construção no Timor-Leste. E apela para o mundo investir e acreditar em seu país ajudando a consolidar a estabilidade e a paz, maior compromisso do seu povo após a guerra de independência. Sobre a relação com a Indonésia, seu maior opressor e único vizinho terrestre, ensinou: “o que aconteceu no passado aconteceu. Não podemos esquecer da soma dos nossos sacrifícios… [Nem que] o perdão nos dá nossa liberdade para ser livres em todos os aspectos”. Uma das mais jovens nações do mundo, o Timor escreveu sua Constituição através de Constituinte livre e soberana, estabeleceu fronteiras no mar territorial confrontando interesses da Austrália, definiu o português e o tétum como línguas oficiais, realiza eleições regulares e participa ativamente do sistema das Nações Unidas.
O Timor-Leste debutou como nação independente para logo fazer parte do vasto grupo cujo principal rendimento provém dos hidrocarbonetos. A princípio, recursos naturais de tão alto valor são uma sorte. Todavia, é amplamente aceito que petróleo e gás causam dependência, podendo atuar para impedir o desenvolvimento de outras indústrias no país. Seguindo a boa prática iniciada na Noruega e imitada por diversos países exportadores de petróleo e derivados, o Timor não tardou em lançar seu Fundo Soberano para melhor utilizar os retornos econômicos desse recurso não renovável. A ideia como sempre é usar o fundo para diversificar os investimentos do país, assim garantindo que os recursos naturais explorados hoje sejam benéficos no longo-prazo e garantam uma vida melhor para suas gerações futuras. Até o momento, o fundo conseguiu amealhar dez bilhões de dólares. O que para uma economia do tamanho da timorense é uma enorme soma de recursos. O curioso é que a quase totalidade dos recursos é investida na dívida americana. Uma decisão a princípio cautelosa, mas que mostra falta de parceria internacional capaz de oferecer formas mais rentáveis de investimento. Aguarda, talvez, o olhar recíproco do Brasil com quem a relação de mútuo benefício daí derivada é mais previsível do que inimaginável: seja pelas afinidades culturais, seja pela posição privilegiada para o comercio com a Ásia.
Semana passada o jovem país elegeu seu terceiro presidente e vai consolidando sua rotina democrática. Em maio completa dez anos de independência, ainda como o mais pobre país da Ásia. Mas sendo nação livre não é pouca coisa para continuar a mudar a sua história.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.
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