Cientista apontou ‘desastres’ políticos,enquanto deputado petista fez retrospectiva do partido
Folha de São Paulo
A edição especial do Fórum Nacional, realizada ontem em Brasília, teve críticas à atitude adotada pelo governo Lula de transferir responsabilidades na crise política e uma análise, vinda de um petista, de que PT paga o preço de ter sido um partido contrário a tudo no passado.
Considerado o mais tradicional fórum de debates econômicos do país, o evento reuniu ainda ministros que reiteraram a estabilidade econômica e institucional corno forma de ajudar a superar a crise.
Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal disse que os políticos atuam sob uma “modelagem institucional”, não havendo heróis porque cada um luta pela sobrevivência política.
Coordenado pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso (Planejamento), o evento reuniu autoridades e acadêmicos para discutir, sob a ótica da crise política, o relacionamento entre os Poderes e caminhos para reformas necessárias neste momento.
Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, que falou sobre a situação da democracia no Brasil, não há espaço para dúvidas no que se refere ao compromisso ético. “A perspectiva tem sido verbalizada de forma de que haveria a possibilidade de estabelecer o trigo e o joio. O trigo correspondendo ao meu crime e o joio correspondendo ao seu crime, que é mais feio”, disse, lembrando entrevista concedida por Lula em viagem a Paris, em julho, que rendeu críticas ao presidente.
À época, Lula insinuou que o caixa dois de campanhas eleitorais, assumido pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, ocorre “sistematicamente” no Brasil e eximiu o governo federal de culpa.
“Não cabe ao presidente tentar qualificar ou desqualificar crimes”, disse Wanderley Reis. Segundo ele, há tendência de estabelecer certa gradação entre “crimes admissíveis, aceitáveis e os que não são”. Para ele, parIamentares eleitos com caixa dois não têm mandato legítimo. “A crise que estamos vivendo envolve claramente a responsabilidade do PT e do governo, apesar da teoria do golpe branco, que me parece claramente insustentável”.
Chamou ainda de atuação política “desastrada” a seqüência de fatos: caso Waldomiro Diniz (ex-assessor da Casa Civil gravado cobrando propina de empresas de jogos), a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e, depois, a crise atual.
O deputado Paulo Delgado (PT-MG), escalado para tratar do PT, disse que o partido era “o Deus furioso do Velho Testamento quando estava na oposição, e agora está virando o cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo”.
Delgado fez uma retrospectiva do PT, lembrando que uma primeira característica é ser de massa, com muitos filiados, e outra é ser um partido do contra.
Para Nelson Jobim, o discurso ético não vai resolver a crise. “Temos de lembrar que agimos na modelagem institucional. Só é herói aquele que não teve tempo de fugir ou correu para o lado errado, e a porta estava fechada.”
Depois, Jobim disse que tinha se referido apenas ao modelo eleitoral brasileiro, que dificultaria, por exemplo, exigir fidelidade partidária dos eleitos, mas admitiu que a análise poderia ser aplicada a aspectos da crise atual, como à prática do caixa dois em campanhas e barganhas na relação entre deputados e o governo. O ministro negou que as declarações tenham sido em defesa de políticos.
Jobim disse que o sistema eleitoral brasileiro está “superado” e defendeu a votação em lista fechada de candidatos, preestabelecida pelo partido. Sobre o financiamento de campanhas, afirmou que as regras devem ser compatíveis com as necessidades reais.
O ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) citou a possibilidade de um processo contra Lula e de investigações contra ministros para dizer que o governo respeitará a atuação independente do Ministério Público Federal. “Se o procurador-geral da República quiser processar o presidente, isso será feito da maneira mais democrática possível.”
Participaram ainda do evento o ministro Antônio Palocci (Fazenda), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o presidente do BNDES, Guido Mantega.