O PT, segundo Paulo Delgado
Cristiano Romero para o Valor Econômico – 28 de setembro de 2005.
É simplesmente arrasador o diagnóstico do PT feito por Paulo Delgado, um de seus fundadores, integrante da primeira direção (com Lula) e deputado mais antigo da bancada do partido na Câmara. Crítico do governo e das práticas do PT desde o primeiro instante da Era Lula, o deputado mineiro acaba de escrever, a pedido do ex-ministro Reis Velloso, um capítulo do livro que o Fórum Nacional lançará sobre a reforma das instituições do Estado brasileiro. O texto é baseado em palestra que Delgado deu no mesmo Fórum, no início do mês, sobre a “problemática do PT”.
A análise do deputado é permeado por lucidez ausente na autocrítica petista feita até agora. Delgado faz uma leitura crítica da história de seu partido e de sua agonia recente. Trata-se de uma visão privilegiada, de dentro, e com um detalhe interessante: ele tende a permanecer no PT, mantendo-se, novamente, alijado das decisões, uma vez que o Campo Majoritário, o PT dentro do PT, continua dando as cartas.
O pecado é original. O PT, lembra Delgado, nasceu sem compreender que trabalhador é todo aquele que vive do seu trabalho. Empresário também pode ser PT, mas isso o partido não entendeu na largada. Numa estratégia marota, adotada para abarcar representantes de toda a esquerda e atrair pessoas de vários segmentos sociais, “laicos e eclesiais”, o partido deu espaço para que tendências florescessem. No exercício do poder, o governo sofre com essa disfunção, uma vez que necessita governar para toda a sociedade.
“Esta natureza conflitiva original nos fez o Deus furioso do Velho Testamento quando na oposição. Agora, por ironia, estamos virando o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, miserere nobis. Essa idéia de que não merecemos o benefício da dúvida, pois não o concedemos a ninguém, é para mim uma das marcas iniciais dessa crise. Tem a ver com o nosso estilo, nossa natureza de guardião da virtude alheia, pilhado em erro”, diz Delgado. “Os deuses quando morrem voltam como doença.”
O deputado mineiro denuncia o que chama “protestantismo político” a prática petista de contestar o que sempre considerou monopólio dos políticos tradicionais, algo como a revolta religiosa contra o monopólio dos clérigos. Durante mais de 20 anos, o PT não se considerou um ente da democracia brasileira, embora seguisse existindo e crescendo graças justamente a essa mesma democracia.
“O sentimento de não pertencer à vida política normal brasileira e o desejo permanente de ruptura e diferenciação foram sempre a grande marca do PT”, atesta Delgado. “De socialistas, comunistas e trabalhistas, passamos a idéia no início de só querer ser críticos e predadores.”
Como evitou alianças amplas e não se reconheceu no Estado que combateu, o PT caiu no ardil do “eleitoralismo oposicionista”. Isto fez com que, mesmo necessitando de estabilidade para governar, o PT não se sentisse confortável como o partido da ordem. Daí, a dificuldade em enfrentar os excessos de movimentos como o MST e a permanente relutância em apoiar a estabilidade da economia.
“De Deus furioso a cordeiro de Deus”
“Da origem até hoje predomina no PT uma característica meio espanhola, meio italiana, de ser um partido do contra. Esta tradição nos fez adversários do esforço feito nos anos 90 para modernizar o Estado através do Plano Real, das privatizações, da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Fundef etc.”, observa Delgado. De fato, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, o PT durante todos esses anos combateu a tudo e a todos.
O partido não entendeu os limites da transição da ditadura para a democracia, representados pela chapa Tancredo Neves/José Sarney no colégio eleitoral de 1985 – transição que, lembra o deputado, já proporcionou ao país o mais longo período democrático de sua História. Uma vez instalado no poder e sofrendo uma crise aguda, o PT caiu numa armadilha perigosa (para si próprio e para a democracia): imaginar que é possível governar diretamente com o povo e sem partidos de sustentação.