A águia e o dragão

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 4 de novembro de 2012.

Dia 6, próxima terça-feira, teremos a eleição americana. Pela forma como é organizada, toda a atenção recai sobre estados que não têm preferência partidária bem definida. São eleitores que tendem a decidir o voto como quem corta a grama do jardim de casa, sem nenhuma preocupação além das pessoais. Um arrasador inundar de dinheiro busca fazer obrigatório o voto facultativo e é, em longo prazo, pior que a fúria de um furacão.

Pelas estimativas do The New York Times, Obama está a uma Flórida da vitória (ou qualquer combinação de estados menores que ainda permanecem em cima do muro). Romney, por outro lado, precisa de virar um número maior de estados a seu favor. No entanto, os republicanos, desiludidos ao longo da eleição, estão animados e gastando maciçamente na esperança de retomar a Casa Branca.

A briga midiática atingiu seu ápice nos EUA. Sem dúvidas, nas últimas campanhas toda estratégia se baseia em forjar um preconceito e colá-lo no adversário. Torcer para pegar e, se assim for, reforçá-lo o tempo todo. Romney foi taxado como o distante plutocrata conservador e incapaz de se importar com qualquer pessoa menos rica que ele e seus vizinhos. Obama, por sua vez, é o líder inapto a tirar o país da crise, cumprindo sua espalhafatosa agenda de mudança em Washington.

Para além das diferenças programáticas, essa eleição americana será vista um dia a partir da controversa decisão da Suprema Corte de considerar legítimo gastar dinheiro sem limite como meio de expressão. Assim, seu uso não pode ser regulado, por causa, no entender dos juízes americanos, da garantia de liberdade de expressão. É mais um estágio da consagração mundial da lógica do “um dólar, um voto”, ao invés do saudoso conceito de “uma pessoa, um voto”.

Numa economia em crise o slogan “toda política é local” é a máxima mais frequente no mundo das eleições. Mas tem sido confrontada com o avanço da globalização e seus efeitos variados. Deste modo, a novidade eleitoral é que o discurso passou a fundir economia doméstica e internacional. E é nesse ponto que o pleito americano se encontra com a outra super aguardada sucessão que vem do Oriente.

A China é o bode expiatório da crise americana. Nada mais recorrente do que a palavra “China” na boca e nas propagandas de ambos os candidatos. Como os EUA competirão com o gigante do outro lado do Pacífico é a questão que muitos americanos querem evitar.

O único assunto internacional que divide as atenções com a China é o velho fantasma do Oriente Médio, com sua agenda à flor da pele. Com seu petróleo, ódio religioso e fragilidade institucionalizada, a região é regida por valores que remontam à Idade Média e por noções de um imperialismo do século XIX. Os EUA já estão lá há muito tempo. Durante a crise do canal de Suez, a administração Eisenhower deixou a Grã-Bretanha morrer como potência ao não socorrê-la nem financeira nem militarmente. Passada a crise, o poder americano estava em um nível muito além dos tradicionais senhores da área, França e Grã-Bretanha. Harold Macmillan, então ministro da fazenda da jovem rainha Elizabeth II, lamuriou – “talvez em 200 anos os EUA saberão como nos sentimos”.

No fim, os EUA não conseguiram fazer diferente e se viram submetidos aos mesmos vícios dos velhos conquistadores. Para o povo do Oriente Médio, é apenas mais uma potência estrangeira imperialista interessada nos recursos deles. Pouco adianta se bater contra isso. É claro também que as elites da região admitem a necessidade da presença americana para manter o mínimo de estabilidade. Uma estratégia esgotante para todos. A impressão é que os EUA sempre estiveram por lá. Protegendo cada regime que um dia derrubarão.

Tudo que a China quer é que os EUA se afundem no Oriente Médio. E a deixem em paz. Como era antes da reorientação política para o Pacífico, a faceta mais ousada da gestão Hillary à frente do Departamento de Estado, que bem avaliou que a derrocada da era Bush foi justamente a obsessão com os aiatolás e seus barris de petróleo. Ainda que o atual secretário de Defesa, Leon Panetta, insista que os EUA não queiram conter a China, essa é uma vontade que vai crescer nos próximos anos.

No dia 8, dois dias depois da eleição americana, começará em Pequim o XVIII Congresso do Partido Comunista. Da forma como a transição é gestada no país, é quase certo que o presidente seja Xi Jinping, e o primeiro-ministro, Li Keqiang. Caberá à dupla Xi-Li conduzir o país de forma a ultrapassar o PIB nominal americano.

O desconforto dos EUA é que talvez a profecia que Macmillan fez contra eles há 65 anos atrás – de se verem destituídos de sua supremacia – se cumpra a favor da China com menos da metade dos tais 200 anos.

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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.

 

 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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