A perseguição pela fé

A perseguição pela fé

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 31 de maio de 2015.

O atual presidente iraniano, Hassan Rouhani, representa um bem-vindo avanço de abertura ao diálogo internacional em comparação a seu antecessor Mahmoud Ahmadinejad. E por mais que as lideranças diretamente afetadas pelos encaixes móveis da região – como é o caso do sunita Conselho de Cooperação do Golfo, por um lado, e dos israelenses liderados pelo Likud, por outro – se ressintam da melhora observada nas relações públicas do país persa com o Ocidente, está aí um desenrolar positivo.
Estender as mãos, demonstrar boa fé e insistir em cenários que tornem antagonistas em, senão aliados, ao menos convivas respeitosos, é a receita que salva a humanidade na maioria das vezes.
Quanto mais você cerceia e ameaça um governo de radicais, como é o caso do Irã, mais ele buscará uma garantia agressiva de expectativa de sobrevivência. A raiva dos governos sunitas que dominam o mundo islâmico, assim como os radicais de Israel, é porque sabem que muitos membros do Conselho de Segurança Nacional americano já fizeram as contas de que, no limite, um Irã nuclear até cooperaria para estabilizar o Oriente Médio. Obama, que é por formação seduzido pela ideia de um governo platônico dos “melhores e mais brilhantes” não se fará de rogado em pender para esse lado de olho no veredito da história. Estabelecer no Oriente Médio, alçapão lúgubre da política externa americana recente, uma situação de maior equilíbrio é perspectiva sedutora para ser deixada de lado.
Rouhani caiu com uma luva para viabilizar os desenhos dessa arquitetura. Afinal, ele desarma as ojerizas maiores que fazem frente a um entendimento ao abrir-se ao diálogo entre Estados. Entretanto, a vida das nações não se restringe mais a equilíbrios entre Estados. O valor do ser-humano tornou-se um quesito extremamente importante da convivência dos povos. E aí persiste uma chaga do regime de Teerã. Em parte por ideologia, em parte por uma paranoia alimentada pelas reais ameaças de destituição do poder, a perseguição a minorias é marca do regime autocrático e teocrático desde 1979.
Fundada por Baha’u’llah há menos de duzentos anos nesse mesmo Irã, a fé Baha’i é uma das mais novas religiões do mundo. Visceralmente pacifista, a doutrina Baha’i prega que todas as religiões e toda a humanidade compartilham um âmago comum. Oriundos do islamismo xiita são especialmente rechaçados por ele como apóstatas e heréticos pelo fato de crerem que seu fundador foi o portador de uma revelação do calibre daquela trazida, por exemplo, por Moisés, Maomé e Jesus Cristo, mas renovada para aplicação à realidade contemporânea. Sua profissão de fé nem de longe incita o trabalho pela destituição do poder temporal de seja lá qual for. Seu entusiasmo pelo direito da vida humana à plenitude é repleto de sonhos imateriais. Constituindo um grupo que se mantém, por suas próprias características doutrinárias e demográficas, minoritário e indistinto ao olhar desatento, fica alienado do poder mundo afora. Mas no Irã eles são, majoritária e distintamente, perseguidos.
Há muitos anos, desde meus tempos de deputado, registro tal perseguição aos governos brasileiros. Desde o tempo de Aiatolá Khomeini, que enxergava com desconfiança e virulência os Bahá’i, aguardam nossa solidariedade. Infelizmente, a situação veio se agravando de maneira insustentável ano após ano, a despeito de um repúdio cada vez mais manifesto da comunidade democrática das nações. No Exame Periódico Universal, ao qual está submetido pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Irã é diversas vezes exortado a parar com a perseguição aos Baha’is. No último relatório do grupo de trabalho que acompanha o Irã, a questão Baha’i é citada 27 vezes nas 27 páginas do documento. Por que será tão complicado para o Irã estender aos Baha’is o mínimo de garantias que pelo menos nominalmente oferta a outras religiões minoritárias? Mais de uma centena de Baha’is estão presos simplesmente por professarem sua fé. Entre eles estão sete lideranças que na semana que passou atingiram sete anos de prisão.
Num momento em que o regime de Teerã busca normalizar sua relação com o mundo, espera-se que a comunidade internacional, ao observar a angústia e o sofrimento dessa minoria religiosa, compreenda que tudo que ocorre com os outros pode acontecer com cada um de nós. E por isso vincule com clareza que para aceitar a normalização com Teerã exige-se a normalização de Teerã com os Baha’is. Infelizmente, os anos do moderado Rouhani têm visto uma escalada de violência contra essa parte da sociedade iraniana.
Sendo assim, se racionalmente a melhor estratégia é a de apaziguamento com o Irã, há que se exigir em troca a garantia da liberdade e dignidade da comunidade dos Baha’is.
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PAULO DELGADO é sociólogo.

 

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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