A Terra Comprometida

A Terra Comprometida

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 22 de Março de 2015.

Gostar muito de governo torna alguns países inviáveis. Nestes locais a ordem e a lei costumam não servir para proteger o cidadão do governante.

Benjamin Netanyahu foi a Washington, passou a mão na cara de Obama, voltou a Tel Aviv, elevou seu radicalismo respaldado por uma ação encenada como uma peleja de Davi contra Golias, e conseguiu ganhar uma eleição como as que só se ganham assim, merecendo perder. Propalou aos quatro ventos teorias paranoicas de perseguição e furor de fácil assimilação. Vestiu-se de Israel com sua roupa ao avesso, fazendo de seus interesses pessoais a segurança de todos e produziu, com a retórica sem luvas do manipulador, uma forma de equacionar seu destino ao do país.

Fez crer que forças estrangeiras inimigas tramavam tirá-lo do poder para tomar de assalto a nação desguarnecida. Jogou pesado com a caracterização do Oriente Médio como área de desordem bárbara sem perspectiva alguma de melhoria e normalização no horizonte. Sua estratégia foi a de desenhar Israel sozinho e incompreendido, no olho de um mundo mau. Uma situação em que a terra santa precisa ser defendida com faca nos dentes sem brechas para a dúvida de que atacará primeiro e de forma fulminante.

Às favas os problemas econômicos do dia-a-dia que importunam a vida da população do país. Há políticos que só entendem a sua política. Mas há também aqueles, como Netanyahu, que só sobrevivem num mundo em caos e em busca de fortes salvadores. Assim, Netanyahu suga a energia de uma terra comprometida e partilhada por dois povos para espremê-los a partir de sua narrativa.

Arrasou a direita dissidente do país, convencendo todos os conservadores a ficarem de baixo do mesmo quipá. Convenceu eleitores a irem às urnas com incitações de cunho racial diante da “ameaça” representada por “eleitores árabes indo às urnas aos comboios”. Voltou atrás no compromisso com o estabelecimento de um Estado Palestino, radicalizando o discurso para além do que lhe era comum mesmo nos anos noventa. Mostrou não se importar com ninguém para defender o país de problemas que ele pinta com as cores mais berrantes e narra com os tons mais lúgubres. Em suma, fez tudo o que calculou como necessário para se manter no poder. A fragmentação do multipartidarismo israelense deve resultar dessa vez em um governo ainda mais conservador sob sua tutela. Entretanto, o sucesso de sua estratégia eleitoral se projeta domesticamente em poder com o mesmo peso que irradia desconfiança e desconforto para fora.

E esse desconforto em um país como Israel é impossível de ser mantido do lado de fora. Por isso o presidente Israelense Reuven Rivlin fez apologia a um governo de união nacional, em que o Likud, partido de Netanyahu, dividiria o poder com a União Sionista, segunda maior força política do país e principal adversário de Netanyahu com viabilidade eleitoral. Apesar de alguns líderes do Likud acenarem sem ojeriza para a ideia, a verdade é que Netanyahu está em condições numéricas de governar quase sozinho no campo conservador. O qual está meio ressentido com ele pela agressividade como posicionou o Likud como ímã  para o eleitorado de direita.

Por outro lado, Netanyahu sabe que depois da vitória a ferro e fogo é hora de bater continência para os fatos.  As alvoradas pós eleição, especialmente nos sistemas de coalizão, são iluminadas pelo recolhimento das mentiras de campanha. Imediatamente depois que venceu as eleições, dizendo que era contra a criação do Estado palestino, voltou a dizer que era a favor.  O que é verdade para além das palavras não importa. O discurso é o que for necessário.  A limpeza do terreno para governar um Oriente Médio eriçado como está exige de todos defender a paz e dois Estados – Israel e Palestina – comprometidos com ela.

Depois que o vice-presidente americano, o coração aberto Joe Biden foi a Jerusalém sugerir ao primeiro-ministro Netanyahu, se crucificar numa grande cruz em favor da paz, as chances de entendimento ficaram bem pequenas.

Tudo bem que a crise pulsante é o normal da região, mas há uma perversidade na força dos que se favorecem de um ambiente de medo do terror. E Netanyahu é um desses casos de politico contente com seu destino.

Nenhum governante hoje do mundo é inteiramente civilizado e quase todos são ferozes patrocinadores de confusões, especialmente em seus próprios países. Mas com Israel nada é fúria de galinha morta. Confusão ali é confusão mundial.

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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