Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 12 de agosto de 2012.
Les Deux Magots, o café parisiense em Saint-Germain-des-Prés, tem duas estátuas chinesas que lhe conferem o nome. Pode tanto lembrar estampas em seda ou porcelana como significar espaço de intelectuais progressistas do passado ou turistas endinheirados do presente. Ali, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir se encontravam regularmente nos intervalos que concediam à árdua tarefa de “espremer os miolos” para ajudar a humanidade a ver a filosofia como um saber prático. Ao se envolverem em todas as principais lutas populares da França contemporânea ou nos inesperados temas espinhosos da humanidade, nunca se recusaram a colocar sua notoriedade na balança. “O homem deve ser inventado a cada dia”, defendia Sartre. As instituições que o governam também. Principalmente quando os modelos se esgotam, tolhendo a vida humana.
Eles escolheram uma atitude. Autenticidade com sensibilidade e responsabilidade social. Apoiados na percepção (e nos dados) de que a maioria da população quer um contrato social diferente do encaminhado nas décadas que levaram à crise de 2008, dois governantes atuais, François Hollande, da França, e Dilma Rousseff, do Brasil, decidiram apostar que ficar bem com os bem estabelecidos em costumes errados nem sempre ajuda os países a ficar bem com seu futuro.
É inegável que a década que culminou na crise foi excelente em termos mundiais quando nosso parâmetro é o crescimento econômico. Estabeleceu-se uma contínua expansão, aliada a um longo período não-inflacionário. Entretanto, todos sabem que temos quer ir muito além de um crescimento econômico puro e simples para dizer se um período foi realmente positivo para a sociedade. Deparamo-nos com o fato de que esse crescimento ocorreu exacerbando a concentração de renda dentro da maior parte das maiores economias do mundo e baseou-se num modelo que, ao implodir em 2008, lançou o mundo em uma década de precariedade e insistente contração econômica. Quarta-feira passada, dois meses depois da posse de Hollande, o Banco Central francês anunciou que o país está mais uma vez em recessão, confirmando uma tendência negativa iniciada no segundo trimestre do ano. Problema para o qual não há saída senão por atitudes progressistas tomadas em um contexto internacional – especialmente no caso da França, que atou seu destino ao da Eurozona. Isso porque o mundo caminhou para um grau de integração e interdependência que reduz substancialmente a margem de manobra dos Estados nacionais. E como o processo de integração global tem virtudes que ultrapassam em muito os problemas que igualmente cria, a agenda de recuperação e reorientação econômica dos países não pode ficar refém dos interesses de uma minoria que, sob o risco de desmantelar a coesão e a paz tão duramente alcançadas no sistema mundial, não quer ter compromisso com um mundo mais equânime. O que vale para a Europa de forma tão iminente, vale também para o mundo num prazo mais dilatado.
Assim, as decisões de François Hollande, de taxar o capital especulativo, e de Dilma Rousseff, de pressionar pela queda das taxas de juros, em oposição aos interesses do sistema financeiro e à voracidade dos bancos por lucros não produtivos, mostram a mais inteligente solicitude do poder político frente à política de pleno uso que o sistema financeiro vem exercendo sobre os governantes. São decisões alentadoras e devem ser tomadas como orientações em um contexto em que líderes do mundo todo têm tido dificuldade para implementar medidas moralizantes que coloquem o sistema financeiro em sintonia com os interesses da economia real.
Todavia, focar a economia na produção e na geração de empregos de uma maneira que impeça o crescimento da desigualdade gera insatisfações poderosas. Assim, quando os governos de Dilma e Hollande se distanciam da agenda bancária, a primeira reação doméstica e internacional do mercado financeiro é dizer que os países vão hibernar. Observadores assentados nos principais bancos de investimento do mundo debatem amargamente sobre a mudança de postura dos países. A banca internacional não tem mais o Brasil entre seus queridinhos e vê o ímpeto de mudança francês com preocupação. Com os instrumentos que tem, chantageia-os aqui e ali com sua conturbada, mas expressa, má vontade. Entretanto, esperneios à parte, no futuro os próprios investidores de boa-fé se beneficiarão superiormente dos ajustes colocados em prática pelos países que sabem que a hora é de lançar novos fundamentos.
Um sistema financeiro forte e dinâmico é determinante para o maior desenvolvimento dos países e idealmente coopera para a melhor distribuição e alocação da poupança no mundo. Os bancos, de tanto usufruírem da economia improdutiva, vivem o drama da fruta que adoeceu o próprio caroço. Um futuro melhor pode ser inventado agora, inclusive para o sistema financeiro.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.
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