Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 23 de Junho de 2013.
O papel da corrupção, da submissão ao poder econômico e do deslumbramento dos líderes no desencorajamento da capacidade administrativa, e na desmoralização da politica, foram as mais eficientes formas de diminuir a pressão por melhorias na gestão e organização da vida pública. Por isso, mesmo que os países emergentes consigam mudar sua posição na hierarquia do poder mundial, mantido o fracasso de sua maneira de administrar o Estado, tudo não passará de falso desenvolvimento. Jagdish Bhagwati, que ensina economia e direito na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, vê sua rica universidade – que é beneficiária de imensas doações – usar seus recursos para ajudar o bairro do Harlem, vizinho à universidade, a se organizar. E lembra que foi a filantropia que tornou o capitalismo atrativo nas sociedades onde ele teve sucesso. Hoje em dia, apesar de toda a propaganda em cima de ações de responsabilidade social que as grandes corporações fazem, o fato é que a percepção dos benefícios públicos reais gerados por elas tem diminuído relativamente às décadas passadas. Some-se a isso a vida de gastos excessivos e pouca obra social dos acionistas e tem-se basicamente um cenário em que a responsabilidade social ficou relegada ao Estado.
O Estado, por sua vez, estimula na sociedade essa compreensão de que é o único agente capaz de criar e manter uma rede de proteção social precisando, para isso, aumentar o controle e a taxação sobre todos. O que parece verdade é que um longo período de cortes nos impostos, associado a uma percepção de menor compromisso social privado, deu a tônica para a exacerbação da desigualdade nos países ricos. Para Bhagwati, a mudança que o mundo passou nas últimas décadas, de mega empresas familiares para as corporações modernas, força as últimas a se ajustarem a isso e aumentarem suas ações que promovam o bem social. Essa não é a única resposta possível, mas os partidários do capitalismo e da livre iniciativa devem estar atentos ao fato de que todo modelo econômico precisa ser legítimo aos olhos da população. Apoio que vem da percepção de que o modelo é sustentado por valores intrinsecamente bons, e superiores a outros, é que pode diminuir a pressão para que Estado estatize a bondade, como quer a propaganda oficial.
A verdadeira natureza da política e o papel do político precisam a cada dia ser relembrados em todos os países. Depois que as leis do desenvolvimento econômico passaram a governar mais do que os próprios governos – a autonomia da política para gerir a sociedade é uma ficção crescente – desapareceu aquele rastilho luminoso, o sentido fulgurante que parecia justificar a vida nos palácios e o charme no exercício do poder. Isto explica um pouco o deboche das ruas em todo o mundo.
Por isso é uma espetacular novidade a entrevista que o presidente do Uruguai, José Mujica, concedeu à rede estatal chinesa Xinhua. Disse que não concorda com o título que lhe foi atribuído pela imprensa internacional de “presidente mais pobre do mundo”, em razão de seu estilo de vida simples. Ele considera o título incorreto porque, segundo ele, sua vida austera tem como objetivo “manter-se livre”. “Eu não sou pobre. Pobre são aqueles que precisam de muito para viver, esses são os verdadeiros pobres, eu tenho o suficiente”, afirmou. “Sou austero, sóbrio, carrego poucas coisas comigo, porque para viver não preciso muito mais do que tenho. Luto pela liberdade e liberdade é ter tempo para fazer o que se gosta”, disse o presidente que acha que “deve-se trabalhar muito, mas não me venham com essa história de que a vida é só isso”. Mujica recebeu a equipe de reportagem chinesa em sua modesta propriedade rural em Rincón del Cierro, nos arredores de Montevidéu, ao lado dos cães e galinhas que cria e alimenta todos os dias. Aos 77 anos, o presidente doa 90 % de seu salário de 260.000 pesos uruguaios (quase 28 mil reais) a instituições de caridade. Não possui cartão de crédito nem conta bancária. Sua lista de bens inclui um terreno de sua propriedade e mais dois com os quais conta com 50% de participação, todos na mesma área rural. Diz ter alma de camponês, e se orgulha de sua plantação de acelgas, e já pensa em voltar a cultivar flores. Possui dois velhos automóveis 1980 e três tratores. Quando perguntado se após deixar o governo ele tentará acumular fortuna, ele disse: “Depois terei de gastar tempo para cuidar do dinheiro e muito mais tempo da minha vida para ver se estou perdendo ou ganhando. Não, isso não é vida”, enfatizou.
Não deixa de ser interessante ver alguém no poder comprar o bilhete de saída para essa falsa vida de autoridade que tomou conta do planeta. Ideias velhas, é o que a política anda precisando.
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PAULO DELGADO
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