Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 3 de setembro de 2017.
O Brasil tem o desafortunado dom de ir sempre a China e sempre se surpreender com sua grandeza. Nossa diplomacia valoriza pouco diplomatas que gostam da Ásia. Nossa burocracia se defende imaginando defender o Brasil. O gigante sul-americano ignora sua ignorância e não consegue exalar sabedoria na agenda bilateral. Fornecedor instável do desenvolvimento chinês não consegue ser recebedor eficiente das sobras de capital que inundam nossa economia. Medidas protecionistas de lado a lado não romperam o isolamento que gostamos de praticar como nação.
“Negócio da China” é uma das expressões mais difundidas e curiosas do português. Há similares, mas nada igual em outra língua. Algo oriundo talvez da época em que os portugueses, guiados pela encantada Escola de Sagres, sagraram-se os primeiros a aportar e a permanecer com consistência no longínquo oriente. Há a dupla interpretação de que por um lado, à época como até hoje, fabulosas transações podem ser estabelecidas, criando somas desproporcionais à proporcional fração menor do ocidente. Por outro lado, também reside na expressão o gosto agridoce da pretensa esperteza ocidental que ganharia bons espaços na, mais ainda pretensa, inexperiente confiança fidalga asiática.
Poucas coisas na vida são mais encantadoras do que cruzar o globo terrestre para vivenciar suas diferenças. Popularmente, dizia-se que se cavarmos um buraco no chão no Brasil chegaremos ao Japão. Ideia desenvolvida no século XX, em que a referência asiática era nosso irmão nipônico. Diferentes entre eles pela proximidade extrema, China e Japão são para muitos de nós semelhantes. Arquétipo falso da paz, que prefere ver as semelhanças do que as diferenças. À distância, somos todos avassaladoramente iguais. Parecia que não éramos iguais, pelas nossas roupas, cabelos pretos, quando fui a primeira vez à China nos anos 1980. Variados tons de cinzas. Mas ainda assim, foi um choque ver um país inteiro olhar o estrangeiro como um ET.
Anos depois representei o governo brasileiro no lançamento do Cbers 2, um satélite fabricado no Brasil por brasileiros e chineses para monitoramento de recursos terrestres. Na base espacial chinesa localizada na província de Shanxi, lá para o lado da Mongólia, vi o milagre da tecnologia subir. Dei autógrafo, virei selo e já de cabelo branco fui confundido com um camponês. Recebido pelo presidente Hu Jingtao, entreguei a carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva celebrando a parceria entre os dois países na área espacial iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso. Uma época em que as forças do país mostravam-se, transitoriamente, interessadas em ser nação, ter um Estado relevante.
Tratava-se do segundo satélite que Brasil e China colocavam em órbita, dentro de uma cooperação estratégica em assuntos espaciais e aeronáuticos. Circunstância especial para ratificar que nosso errático Brasil continuava investindo no setor, apesar do acidente ocorrido à época na Base de Lançamento de Alcântara (MA), matando 21 pessoas que detinham em suas mentes nosso programa espacial.
Para muitos o BRICS – iniciativa meio de política estratégica, meio de marqueteiro entediado – não vicejaria. Vez e outra aliás, só não explode por mera falta de combustível interno de que dispõe. Organismo sem dentes, como dizem os saxões, que de fato o é, mas poderia não ser. Ele segue aí como uma interação alienavelmente forçada de desiguais.
O aperto econômico em que nos mergulharam nos últimos cinco anos é um filme da fragilidade das artificiais construções de líderes de pés de barro que sempre nos dominam. Evidente e educativo que os coices da realidade internacional tenham procurado nos unir em organizações multilaterais. Mas para nós, no Brasil, é uma pancada ter tão pouco influência no comercio e na política mundial.
Hoje, a ida à China e aos BRICS por parte de nosso governo é, mais uma vez, crucial e oportuna. Ocorre apenas que, governos à parte, nós é que, no léxico comercial, nos tornamos um grande negócio do Brasil.
Mas como resgatar a empreendedora construção de obras que podemos erguer em conjunto? Somos esses povos, os quais compartilham anos recentes de subdesenvolvimento e desencantamento projetados sobre o projeto liberal, democrático e capitalista que sustenta o mundo. Para onde iremos? Para onde ir? Conversar e acertar isso com a China, mais do que prático, tende a ser cada vez mais necessário. Como precisa ser também com os EUA.
Mas sem perder tempo com descompassos que não melhoram a vida das pessoas de vida breve, cidadãos com tempos menores do que o das nações, insegura e frágil pátria em busca de uma bússola.
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PAULO DELGADO é Sociólogo.
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