Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 22 de Janeiro de 2017.
Ano passado, a ONG britânica Oxfam, provou que 62 pessoas têm a mesma riqueza de metade da população da terra. Dias atrás, em preparação para o Fórum Econômico de Davos, a Oxfam refez os cálculos e anunciou que, hoje, o total de riqueza nas mãos dos 3,6 bilhões mais pobres equivale à riqueza de 8 bilionários.
A constelação reunida em Davos é composta de várias pessoas e organizações responsáveis por melhorias notáveis na vida de todo mundo. Muitos, inclusive, como Bill Gates e Warren Buffett, primeiro e terceiro na lista dos oito, já entregaram a maior parte de suas fortunas para a filantropia. Davos, e tudo o que ela representa, contraditoriamente parece desconectada demais da realidade do mundo que em grande parte ajudou a criar.
Não se deve perder de vista que o desiquilíbrio das riquezas pessoais ocorre em período em que o equilíbrio do mundo melhora com um número maior de centros de poder e riqueza. O festim suíço recebeu pela primeira vez a maior autoridade da China, que eclipsou os demais ao defender a globalização, enquanto ao agora ex-vice-presidente Biden dos EUA, coube o tom lúgubre de alertar para o difícil cenário que se forma.
Mesmo para o mais bem preparado dos homens as dificuldades do mundo atual realmente parecem de difícil contorno. O errático Trump, com sua tagarelice deselegante, está tirando o papel dos EUA do mundo da análise de risco e o deslocando para o da imprevisibilidade.
“Nossas relações internacionais, embora vastamente importantes, estão, em termos de tempo e necessidade, secundárias ao estabelecimento de uma economia nacional sólida. Eu sou a favor de políticas práticas que ponham em primeiro lugar as prioridades nacionais.”. Tal alienação, que tanto agrada a nacionalistas que produziram a atual crise brasileira, não saiu da boca do já presidente Donald Trump, mas daquele que é amplamente considerado um dos três maiores presidentes da história americana, Franklin Roosevelt, no dia de sua posse em 1933.
Àquela altura os EUA não detinham o poder hegemônico global, mas sua insistência de que a crise de 1929 seria solucionada individualmente por cada país, e não pela cooperação coordenada internacional, mostrou-se não apenas falha, mas trágica. Foi só quando veio a guerra que Roosevelt ganhou sua estatura, limpando a abominação que pouco fez para evitar que se formasse. Não à toa Charles Kindleberger, no principal estudo da década decisiva do século XX, enfatiza a coincidência de que no dia seguinte a essa posse de Roosevelt, a Alemanha deu a Hitler o poder de governar por decreto.
O ano de 2017 começa trazendo mais para perto o aniversário de dez anos da crise de 2008. A reação à grave crise dessa vez foi diferente. Há pessoas que aprendem com a história, esse grande laboratório das ciências sociais. Todavia a reação padrão irrefletida de países fechados vem predominando. Causa e efeito. Crises são berços de populismos e fascismos. 2017 pode ver essa azeda colheita se intensificar mundo afora. Atenção à encruzilhada em lugares chave da Europa.
Já em março pode ser que a Holanda entregue ao esquisitão Geert Wilders, fundador e líder do Partido pela Liberdade, o maior número de votos na eleição nacional do país. Nas comicidades do mundo, Wilders lembra a caricatura de Trump.
A França vai às urnas em abril e maio a fim de decidir seu novo presidente. Hollande não tentará a reeleição, abatido pela desaprovação na pesquisa encomendada pelo Le Monde. O principal candidato nas primárias de seu partido tem sofrido na pele a rejeição. Manuel Valls, que serviu ao governo como Ministro do Interior e também como Primeiro-Ministro, no curto período desde o mês passado em que começou sua campanha já foi atacado com um saco de farinha em Strasbourg e com um tapa na cara em Brittany. Neste domingo e no próximo ocorrem os dois turnos das eleições primárias. Tudo indica que não é dos socialistas que sairá o verdadeiro concorrente ao cargo.
Emmanuel Macron, que desertou do PS e, como um brasileiro, fundou seu partido há menos de um ano, é a única cara que passou pelo governo Hollande com chance. Marine Le Pen, já parece aguardar o segundo turno, ou contra Macron ou contra François Fillon, que foi primeiro-ministro de Sarkozy. Em qualquer cenário a França terá a cara feia dos que querem isolá-la do mundo.
Em outubro, por fim, é a vez da Alemanha. Merkel, tal qual Roosevelt se sente insubstituível e concorre a um quarto mandato de Chanceler. Seu partido é o favorito, mas nunca esteve tão ameaçado. Figura de rude candura, primeiro deixou a crise se agravar sobre o continente para depois tornar-se o esteio da União Europeia.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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