Entrevista – Paulo Delgado – “A boa diplomacia é feita com vigor e rigor, como a poesia”
O Globo
Petista afirma que governo tem de dar uma resposta enérgica à Bolívia e que nacionalização foi decidida em Cuba
Professor, sociólogo e com cinco mandatos pelo PT, o deputado federal Paulo Delgado (MG) tem uma avaliação ácida da crise do gás. Para ele, há provas de que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, influiu na nacionalização da Bolívia — que afirma ter sido decidida em Cuba — e o Itamaraty errou. Em sua opinião, o presidente da Bolívia, Evo Morales, está sendo leviano e merece uma resposta enérgica, como rompimento e expulsão dos imigrantes bolivianos ilegais.
Como o senhor viu as declarações de Evo Morales sobre a Petrobras e o Brasil em Viena?
PAULO DELGADO: Demonstram baixo apreço pelas instituições e pela democracia. A Bolívia nunca aceitou desinteressadamente nada do Brasil. Ele não conhece a História da Bolívia nem das relações diplomáticas.
O que motivou a nacionalização na Bolívia?
PAULO DELGADO: Morales está movido pela reunião de 28 e 29 de abril, em Havana. Lá foi criado o pacto entre Bolívia, Venezuela e Cuba para um tratado de comércio entre os três. Nele está escrito que a Venezuela estimulará uma ampla cooperação no domínio energético e de minério da Bolívia, por meio de assistência técnica e jurídica. Há ainda a ampliação do fornecimento de óleo cru, produtos refinados, GLP e asfalto, tendo como compensação produtos da petrolífera YPFB e da mineradora Comibol. Ou seja, o acordo contra o Brasil foi firmado nesse encontro. A expropriação veio dois dias depois.
Dá para confiar nas negociações que começaram?
PAULO DELGADO: Estamos diante de dois litigantes de má-fé. Morales está mentindo. Ele e Chávez confundem soberania com ruptura de contratos. Mas só para o Brasil. Porque Evo sabe que a Venezuela é um fornecedor confiável de petróleo para os EUA. O que eles fazem com o Brasil não fazem com o governo americano.
Isso mostra que é preciso uma política externa mais enérgica?
PAULO DELGADO: A boa diplomacia é feita com vigor e rigor, tanto como a boa poesia. E não pode ser feita de sais aromáticos nem variações em torno da piedade ou da caridade entre os povos. Nenhum país, por mais pobre que seja, pode rasgar contratos.
Como será a negociação a partir de agora?
PAULO DELGADO: Até Morales vestir terno vai demorar. O terno representa o poder civil e ele traz parâmetros que o poder militar e o populismo não têm. Acho que a América Latina vem sofrendo com isso, há uma onda de exasperação que está pondo à prova todas as fronteiras.
O Brasil errou ao apoiar Morales?
PAULO DELGADO: Errará sempre que quiser influenciar eleições em terceiros países. O Brasil errou no governo passado quando quis influenciar a eleição no Peru contra (o presidente Alejandro) Toledo. Assim como a benevolência com Chávez, quando ele vem dar palpite no Brasil ou no Peru. Sempre que o Brasil quis influenciar as eleições acabou agravando a situação brasileira dentro dos países ou perdendo apoio posteriormente. A diplomacia brasileira é secular e não pode ser tão surpreendida por situações de políticas internas. E isso não é a primeira vez, ocorreu com a dissolução da União Soviética e com a reunificação da Alemanha. São três episódios de inexplicável surpresa para a diplomacia brasileira, que é uma das melhores do mundo, mas às vezes frágil na análise prospectiva.
E isso aconteceu novamente agora?
PAULO DELGADO: Raciocinamos como o Fórum São Paulo (que reúne partidos de esquerda latinos há mais de dez anos). Mas nem no Fórum os partidos têm harmonia de posições. Na prática, quando membros do Fórum são eleitos presidentes, é preciso tratá-los em outro nível.
O que o Brasil precisa fazer para a Bolívia respeitá-lo?
PAULO DELGADO: Primeiro, dizer a Morales que ele deixe a falsa pureza de lado. Tenho absoluta confiança na diplomacia brasileira e no presidente Lula. E devemos, se houver alguma hostilidade maior, devolver imediatamente todos os bolivianos e romper relação com a Bolívia. O Brasil não deve participar da estratégia eleitoral interna da Bolívia. É um erro. O Evo Morales está reagindo com desfaçatez a um país pacifista e de maneira pusilânime com países bélicos.
Quais são as medidas a serem tomadas?
PAULO DELGADO: Retirar nosso embaixador da Bolívia, entrar logo na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra eles. Ir para a arbitragem internacional, defender a Petrobras. Deixar a pobre Bolívia virar protetorado da Venezuela e esperar passar essa crispação.
Chegou hora do revide?
PAULO DELGADO: Revide é uma palavra muito forte. Mas está caminhando para uma questão de lesa-pátria, a ser tratada com rigor e com vigor. Devemos nos preparar para a morte da diplomacia no continente e o agravamento do nacionalismo manipulatório, vaidoso, simplório e arrogante.
Qual é o futuro de Morales?
PAULO DELGADO: Isolar mais ainda a Bolívia e afundar junto. Nenhum líder que chegue à Presidência tem o direito, seja indígena ou não, de se propor herdeiro do povo de seu país. Há com Chávez e Morales o que não há com Tabaré (Vásquez, do Uruguai) e (Michelle) Bachelet (do Chile). Chávez e Evo disputam a popularidade fácil e identificam-se com os preconceitos do povo. Não se extrai autoridade de demagogia.