Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 20 de maio de 2012.
Há nações que usam mal a força e desmoralizam o poder que possuem. Outras são graduadas em pobreza e retiram da falta de força algum poder.
O mundo multipolar tem permitido o surgimento de uma pausa estratégica nas ações militares que podem ter repercussões mundiais, mas o discurso de força ainda caracteriza inúmeros países. É aparente a acomodação democrática atual, com os Estados armados fazendo questão de demonstrar sua força em movimentos rotineiros de tropas e testes de novos equipamentos de guerra. Mas não só. O tom entre agressivo e grosseiro da Rússia de Putin, que sufoca a normalidade democrática do país voltando pela terceira vez à presidência, é claro. Ao suspender as conversas com Obama sobre a instalação de um escudo antimísseis da OTAN na Europa, “até que a eleição se resolva nos EUA”, faz-se provocador.
No fundo, são guerras irregulares, algumas sob a forma de escaramuças diplomáticas e comerciais, movidas pela presunção de imaginar que existem países e culturas não aptas para praticar a democracia, defender seu território e viver em liberdade. Ao mesmo tempo em que outras se acham portadoras de valores e da missão regional e mundial de garantir a paz e o progresso.
Neste caso é bom que não existam mais sistemas hegemônicos, o que dispersa o uso concentrado da força. O estranho é que também não temos visto muita alteração das expectativas de uns países em relação a si mesmos. Continua a haver aquela “procissão de dependentes” em busca de tutela política, proteção militar e comercio subjugado. O que só fortalece os monopólios de poder e mantem significativo o papel dos mesmos atores de sempre. Estas nações muito procuradas se tornam senhores dos outros: donos da pobreza, das limitações educacionais e tecnológicas, da segurança interna, dos créditos internacionais e da paz entre vizinhos. A indústria da ajuda começa, normalmente, com um belo discurso em torno dos Direitos Humanos e defesa da soberania de cada um, para logo transformar-se em intervenção territorial, cultural, econômica, corporativa ou militar. E aprofunda a desmontagem geral de muitos países que nunca mais se livram das intervenções oficiais e não oficiais.
A desnacionalização e o enfraquecimento dos Estados não tem somente natureza militar ou econômica – estas bem visíveis – mas há uma antropologia do dominado para ser escrita, um destino de vítima bem ao gosto da sociedade internacional. O caso da Coreia do Sul é curioso. País novo rico faz questão de manter o status de pobre junto a organismos multilaterais para se beneficiar das suas políticas paternalistas. Enfim, com os mesmos endereços de sempre, nas grandes capitais, é que estão os atores autorizados a dizer quem precisa de ajuda, o que é ameaça e quem está habilitado a se movimentar para manter o status quo. Mesmo havendo exceção, o estatuto da lógica autoritária é o enfoque predominante. Como não há consenso mundial sobre as vantagens da paz , não há consistência jurídica internacional para deter o ímpeto de quem a ameaça.
Nos resta a diplomacia. Só que, como cada país tem formas diferentes de operar seu agir diplomático, muitas chancelarias manipulam rivalidades entre empresas, líderes e nações, através de discursos e notas. O que torna possível agravar situações políticas desvinculadas de crises econômicas. É necessário ter o ouvido atento para decifrar o mínimo de hostilidade por trás da psicologia dos interesses de poder dos países que querem influenciar os outros. Quando a relação é com regiões onde o poder executivo é totalmente centralizado ou despótico, onde há legislativos e judiciários caricatos, ou onde o processo de transição política para regimes mais democráticos nunca se completa – situação presente em todos os continentes – é fácil saber o que vai acontecer em termos de influência. A força mais organizada submete a menos. E a hegemonia dos ricos não arrefece. Claro que com outros nomes mais palatáveis, como “ajuda humanitária”, “banco de fomento”, e outras iniciativas protetorais.
A novidade do momento é o frisson que a combinação de autoritarismo e prosperidade, que vem da China e dos Emirados Árabes, provoca nos defensores de regimes fortes como caminho para o desenvolvimento de países pobres, anárquicos e imobilizados politicamente por arranjos tortuosos de poder.
A irregularidade da relação entre as nações produz a insegurança que fundamenta a competição por liderança e influência. No entanto, sozinho nenhum país pode sustentar a ordem internacional: para assegurá-la, recorrendo ao conjunto das nações, é necessário partilhar, subsidiaria e democraticamente, força e poder. Sem esquecer, claro, da responsabilidade especial cobrada dos países produtores de armas, que não podem se considerar melhor do que seus compradores.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.
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