O futuro da China

O futuro da China
Estado de Minas e Correio Braziliense, domingo, 3 de Abril de 2016.

Às margens da Cúpula de Segurança Nuclear realizado em Washington na quinta e sexta-feira passadas, Obama e Xi Jinping, presidentes de EUA e China respectivamente, mantiveram um encontro bilateral. Foi o único concedido na ocasião pelo presidente americano. Tal deferência a um, entre cinquenta lideres presentes, ocorre não somente porque a área de tensão nuclear ativa no mundo, a Coréia do Norte, depende da colaboração dos dois para ser esfriada. Mais relevante vem o fato de que, no futuro próximo, a região que tem a maior chance de conturbação grave, do ponto de vista de Estados, é a Ásia fronteiriça da China. Por lá tudo depende dos humores titânicos de ambos os países.

Para além da Ásia, o que aflige é a chaleira queimada do terrorismo, o egoísmo extremo da política. Todavia, esse está para além do controle dos dois leviatãs. Liderança estatal forte não dará conta sozinha desse violento bajulador da infelicidade humana.  Necessário, talvez, uma diplomacia cultural benigna, informada e de longo prazo que seduza, sem decepção, e integre ao concerto das nações povos esquecidos. É questão de paciência, limite e acolhimento, sim, mas sobretudo de empatia. O heroísmo de matar o mau não torna ninguém o bem. Afinal, foi a própria ilusão de solucionar a questão pela raiz que fez com que ela não fosse nunca resolvida. A raiz da violência parece única e é humana.

Foi compreendendo isso que a relação de China e EUA passou a dar certo a partir do final dos anos setenta. E esse egoísmo racional e altruísta só tem feito bem, na média, ao mundo. A decisão americana de aceitar a ascensão chinesa foi um ato original depois de sentir o estrago que fez ao mundo a polarização com a União Soviética.  Realismo que faz tanta falta em tantas paragens.

Teve de ser, decerto, sem dúvida um início de transição entre um Obama que vai sair daqui a alguns meses e um Xi que espera ir ao menos até 2022.  Mas se Xi Jinping desfruta dos amplos poderes que reclamou para si, Obama, por sua vez, não é nenhum pato manco em seu final de mandato. Isso se dá em parte porque se espera que faça sua sucessora e tem acelerado nesse ano atitudes pontuais que deseja que fiquem como marcas da visão que tem do país.

A China, por sua vez, continua na ponta da atenção americana e das principais nações do mundo. “O futuro da China” é o título do mais recente livro do cientista político David Shambaugh lançado dia 16 de março nos EUA. Para alguns é mais um desses livros que insistem em prever o colapso do regime e a derrocada do partido. Entretanto, o interesse por ele deve ir além da impressão mais rasa, pois Shambaugh é o sinólogo americano que mais publica livros relevantes sobre o Partido Comunista. Logo um best seller, esse livro, conciso, direto, bem fundamentado e dotado de uma tese clara, mostra como a China toma tempo da alma americana.

Para Shambaugh, a inflexão autoritária que se seguiu à crise econômica de 2008 e que se aprofundou com a estratégia de Xi Jinping, alçado ao topo em 2013, de controlar todo e qualquer dissenso – para impedir eventuais desarranjos sociais ameaçadores em um momento de queda do crescimento material –  já ultrapassou alguns sinais de alerta. O livro, recém-saído do prelo, acerta ao prever a fervura para cima de Zeng Qinghong, mandarim ligado ao ex-presidente Jiang Zemin.

Depois que um dos filhos de Zeng apareceu como comprador de uma casa de 32 milhões de dólares em Sydney, enquanto Zeng ainda era vice-presidente da China em 2008, seu nome nunca mais saiu do burburinho dos publicamente acusados na campanha anticorrupção que Xi Jinping agita.

Entre 2013 e 2014 mais de 180 mil membros do partido governante foram investigados. Incluindo 82 generais. Todos a mando do atual presidente. Expurgos e prisões já remontam à era maoísta, é que se ouve nos Hutongs e pátios chineses. O que se comenta na China é que uma perseguição de Xi para cima de Zeng Qinghong, acerta diretamente o ex-presidente Jiang Zemin e resultará, ou num grau de poder na mão de Xi não observado desde o tempo de Mao, ou em sua queda.

Na famosa e única entrevista de uma hora que concedeu à rede de televisão americana CBS dezesseis anos atrás, Jiang Zemin enfatizou que um desafio comum a todas as lideranças globais era o de conter os efeitos deletérios do progresso material sobre a conduta moral: segundo ele “riqueza em uma das mãos, declínio moral na outra”. Indiretamente que ainda o seja, é agora Jiang Zemin que está sobre tal escrutínio. Da tensão surgiu dias atrás uma carta anônima que rompeu a segurança cibernética chinesa e pediu a renúncia de Xi Jinping.  Não por acaso, a economia dá, cada vez mais, sinais de desaquecimento.

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PAULO DELGADO é sociólogo.

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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