Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 3 de Março de 2013.
De uma maneira ou de outra sempre está na cabeça dos países gigantes por natureza – Rússia, Canadá, China, EUA, Brasil, Austrália e Índia – a ilusão de que suas decisões têm importância histórica, são produto de sua grandeza e que obstáculos à sua frente é uma intromissão no curso natural do seu destino. Com exceção dos EUA, os países baleias podem ser caracterizados pelo fato de que nenhum conseguiu chegar à expressão áurea do seu destino na idade contemporânea. O que mais perto chegou, a Rússia, foi sempre segundo, e abusou de vias insustentáveis que se desmancharam sem deixar saudade. Outros, como o Canadá e a Austrália, acanhados em suas aspirações, sabem que seu tamanho e dinamismo populacionais não preenchem a vastidão de suas fronteiras. Por outro lado, Índia e, principalmente, China, são eternos impérios em modo de espera – tranquilos e ansiosos –, com a certeza de que mais dia menos dia voltarão a ter força proporcional à de séculos atrás, bastando para isso que o mundo não exploda, nem eles implodam antes. Finalmente, entre todos esses, o Brasil, essa civilização ambígua, de síntese e contradição, ambição e parcimônia, permanece aquém do que significa. E como é tedioso para todo mundo nossas análises econômicas carregadas de mágoa sempre embrulhadas pela competição política.
O interessante, hoje, a ser observado é que a reorganização produtiva, provocada pelo tão criticado neoliberalismo, se por um lado produziu uma financeirização da economia mundial que terminaria em crise, por outro possibilitou uma multipolarização econômica que alcançou e alavancou, a torto e a direito, países diversos, consequentes e dispostos a jogar pelas regras do jogo. Um mundo não liberal, ou seja, um mundo fissurado em estratégias geopolíticas, jamais teria permitido isso. Pois quando muitos desses recém-chegados países populosos apareceram no tabuleiro político, seu ganho de poder mundial produziu desdobramentos.
A abertura para que esses novos países entrassem no sistema mundial foi via comércio e investimento, enquanto parte dos países ricos se concentrava em alavancar a arquitetura financeira. Para quem é de esquerda e otimista, é o famoso “males que vêm para bem”. Já entre os de direita e elitistas, atônitos diante da estagnação, é possível ouvir: “só podia dar em crise enfiar pobre dentro de banco”. Ou seja, a fixação no adensamento financeiro e no abandono das atividades intensivas de mão de obra nos países considerados centrais, ajudou a espalhar cadeias produtivas integradas em regiões até então secundárias para a produção de mercadorias de interesse do comércio internacional. E ajudou a expandir habilidades advindas de educação avançada e criatividade. Com isso, o PIB mundial aumentou do lado esquecido – China, Rússia, Índia e Brasil – sem se desintegrar do lado rico – EUA, Japão e Europa.
Foi a sobra de dinheiro que produziu a inesperada onda tecnológica e industrial, valorização espetacular das commodities e mobilidade social em países de crescimento tardio. Seja pelo aumento do consumo que tanto caracterizou o Brasil na década passada, seja pelo investimento em produção para consumo mundial que faz o crescimento da China já por trinta anos.
A verdade é que a crise acabou com essa onda positiva. E, hoje, parte relevante dos agentes do mercado financeiro – a mesma fonte de onde veio a ideia de BRICs e outros acrônimos simpáticos ao tédio acadêmico – aposta que haverá um recuo na globalização. São as famosas profecias prontas. A pressão doméstica nos países ricos é para que isso ocorra e os movimentos políticos – acordos regionais EUA-União Europeia, por exemplo ¬– são para determinar o afundamento da integração multilateral, substituída pelo aprofundamento da integração regional. O espírito da negação é sempre a mais bela desculpa moral da política e o contrassenso do regionalismo não foge à regra: apenas uma etapa para atrair novamente as outras economias para o centro de gravidade dos países centrais.
O ideal para a América do Sul é o multilateralismo com o Mercosul ativo na procura de acordos que expandam a região em direção ao mundo de todos oceanos. É preciso não ficar atado à lógica que vê o regional como fronteira mesmo porque nem todos nossos vizinhos pensam assim.
Ao Brasil cabe ser uma voz justa e equilibrada. Assim, ter candidato à sucessão na OMC é tão relevante quanto não celebrar a ausência de candidatos europeus ou norte-americanos na disputa. De todos os países baleias, somos nós que mais devemos nos preparar para o caso do mundo refugar na sua marcha multilateral. Apostar no regionalismo restrito é fazer um pacto contra o desenvolvimento em nome de um nacionalismo mais ineficaz do que profundo. É ser capturado pelo ardiloso discurso dos que fingem acreditar em um mundo fechado e sem concorrência global.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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