Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 8 de janeiro de 2011.
Num país onde a indisciplina marca a história do desenvolvimento, exaltar nossas deficiências é a forma de obscurecer fenômenos espetaculares que andam acontecendo. Fenômenos como o fato que nos coloca como a sexta economia do mundo, à frente da Inglaterra. O próprio governo buscou relativizar o feito dizendo, com sinceridade feminina, que há muito que fazer até que a riqueza da nação corresponda à renda per capita de nosso povo. Tal opinião, realista e certeira, contém uma advertência: a dinâmica do sistema econômico internacional está nos favorecendo, mas, contraditoriamente, acaba adiando reformas essenciais para sustentar nossa performance.
São inúmeros os estudos que demonstram o papel primordial da educação, do trabalho produtivo e da boa regulamentação estatal no progresso das nações. E se isso vale desde tempos imemoriais, torna-se verdade incontornável na sociedade do conhecimento que vem se solidificando nos últimos séculos e, cada vez mais rapidamente, nas últimas décadas.
Assim, é possível explicar com razoável grau de acerto por que a Revolução Industrial, que deve ser vista como maturação econômica do Iluminismo, começou no Reino Unido ainda que o maior fulgor dessa filosofia tenha vindo da França. As mudanças de mentalidade, surgidas com a revolução científica e a evolução dos direitos civis, beneficiaram a Grã-Bretanha por esta estar comparativamente mais voltada para o livre empreendimento e mais livre das amarras políticas do absolutismo agonizante. Ajustado ao eficiente regime parlamentarista implantado desde Cromwell, o Estado britânico capturou melhor o ambiente da época com mais gente pensando criativamente. O passo à frente, dado inicialmente na ilha outrora província do Império Romano, abriu um vão entre os países que, seguindo-a, industrializaram-se e foram conformando as leis de um novo sistema econômico mundial, estudado por Karl Marx, exilado em Londres.
Estimativas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), capitaneadas pelo falecido economista Angus Maddison, dão que o PIB brasileiro em 1820 era semelhante ao do Reino Unido em 1500. Na década de 1820, na qual o Brasil alcançou sua independência enquanto os efeitos da Revolução Industrial circunscreviam-se à Grã-Bretanha, a diferença estimada do PIB de ambos era de doze vezes em favor dos britânicos. A partir dessa data, ondas de migração da Europa para o Novo Mundo redesenhariam a história. Mas o século 19 ficaria marcado como o de domínio global do Império Britânico, e da impressionante ascensão de seu filho rebelde e inventivo da América do Norte. Entre uma miríade de explicações plausíveis e algumas desculpas, é certo que o domínio do conhecimento aplicado, com dedicação a atividades produtivas e competitividade comercial, explica boa parte da fortuna dos países.
Se há uma coisa que é certa é que a história muda seus rumos. Às vezes mais rápida ou lentamente, mas ela segue mudando no balançar da sorte, combinada com decisões acertadas, das regiões e suas sociedades. Todavia, uma macrotrajetória traçada vai criando certa dependência para os países, um destino, que lhes é arraigada e que normalmente diminui a velocidade das mudanças. Se daí surge um equilíbrio nefasto, a briga social mais justa é para que se rompa com esse equilíbrio. Se o equilíbrio é benéfico, a atenção mais necessária é para que o próprio sucesso não engolfe sua trajetória. E assim, de quebras de equilíbrio em quebras de equilíbrio, o mundo gira e a história é arrastada pelos povos para novos equilíbrios, às vezes efêmeros, às vezes duradouros. Uma especial atenção a esse tempo mundial que estamos vivendo — onde podemos maximizar nossas potencialidades econômicas sem subjugar politicamente ninguém — pode impulsionar, definitivamente, a modernização do Brasil e consolidar sua liderança pacifista.
Por volta do ano 1000 a Europa Ocidental era a periferia do globo, que se desenvolvia pujante no vasto mundo islâmico; comparativamente muito mais culto e capaz de atividades produtivas elaboradas. A China, por sua vez, foi por séculos o grande celeiro de invenções que só viriam a ser (re)”descobertas” no Ocidente tempos depois. Todavia, por algum acidente do destino, vastamente debatido, ela acabou perdendo sua precedência no caminho para a modernidade. O fato é que por volta de 1430 a dinastia Ming fechou-se para o mundo exterior, coincidindo com seu concomitante declínio, se comparado a uma Europa que inicia o ciclo das grandes navegações e avança sua Renascença. Séculos depois, com o advento da Revolução Industrial, o Ocidente inegavelmente estabelece a nova trajetória do mundo.
Oportunidades, conhecimento e domínio das técnicas mais avançadas são, invariavelmente, o que coloca regiões e sociedades no centro da economia mundial. Não será diferente para o Brasil.
Paulo Delgado é sociólogo. Foi deputado federal.
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