Paulo Delgado (PT-MG): “Temo pela fraqueza institucional permanente”
Blog do Paulo Moreira Leite – O Estado de São Paulo
Tive conversas demoradas com Paulo Delgado (PT-MG), deputado que é um símbolo dentro da bancada do partido de Luiz Inácio Lula da Silva. É o mais antigo deputado federal da legenda. Também é signatário do manifesto dos 111, documento de fundação do PT. Em 2006, atingido pela onda de desprestígio que alcançou boa parte dos parlamentares da legenda, e também por uma coligação com o ex-governador Newton Cardoso que beneficiou parlamentares do PMDB em prejuízo dos petistas, Delgado não conseguiu reeleger-se – faltaram 8.000 votos. Aos 55 anos, ele sempre foi conhecido, em Brasília, pela postura independente, pela elaboração própria – e pela disposição para dizer verdades desagradáveis dentro do partido. Nesta entrevsita ele fala sobre o escândalo do dossiê, sobre as perspectivas pós-segundo turno e sobre um partido que ajudou fundar – e onde desempenhou, nas últimas décadas, um papel de consciência crítica. A entrevista:
PERGUNTA – Como o Brasil estará no dia seguinte do segundo turno?
RESPOSTA – Temo por um risco de fraqueza institucional permanente. Declarações fortes da oposição, como a do Geraldo Alckmin dizendo que, se for eleito, o governo Lula acaba antes de começar. Isso não é bom. O Fernando Henrique também fez declarações duras. A campanha do Lula, também é querelante e contribui para alimentar a tensão política, ao acusar a oposição de golpismo na reta final. Estamos disputando uma eleição. Só isso. Nada de governo paralelo…
PERGUNTA – Como o governo e o PT devem agir neste momento?
RESPOSTA – O PT precisa compreender que não é apenas beneficiário da democracia. Precisa assumir suas responsabilidades por ela e não apenas servir-se dela. Lula é candidato a sucessor de Lula e não do resto da história do Brasil. Nós só chegamos ao governo e disputamos a reeleição por causa da estabilidade política do país, que é uma conquista de toda sociedade.
PERGUNTA – O senhor acha que o PT tem comportado de forma errada?
RESPOSTA – Há erro de todos os lados e candidatos mas o pior é um certo toque de má reputação de alguns que se acham fora do alcance da lei. Não se pode mobilizar uma organização coletiva para defender um funcionário anfíbio que presta segurança ao governo e ao partido. Dois dos três estão errados. É este papel relevante do irrelevante que faz subir o baixo nível da campanha.
PERGUNTA – A campanha do Lula decidiu processar jornais e revistas que publicaram denuncias contra Freud Godoy, o amigo do presidente…
RESPOSTA – Contra fotos, não há argumentos. Esses processos, mesmo com base legal, são uma tentativa de interromper o trabalho de informação da imprensa. Não estou de acordo com intimidação de qualquer tipo.
PERGUNTA – O senhor fundou o PT. Como explicar a crise do PT?
RESPOSTA – A crise é do PT de negócios, do PT dos amigos. Não é a crise dos militantes, que levaram ao PT seus princípios e suas utopias. O PT só chegou aonde chegou porque existiram militantes que deram a vida a ele e não ganharam nada.
PERGUNTA – O PT pode sair dessa crise?
RESPOSTA – Há um aspecto importante nessa crise. Um governo não doutrinário exigiu um comportamento errático do PT e contou para isso com o lado errado do PT. O pragmatismo sem princípios preferiu no parlamento os políticos mercenários aos doutrinários e isto contaminou o partido. O PT serviu de mata-borrão, instrumento para apagar os erros do governo. Mas é claro que o partido foi envolvido. Para se recuperar o PT terá de deixar de ser um partido de negócios, que protege comportamentos delinquenciais, para ser um partido da democracia, aberto a quem vive de seu trabalho. O PT não é uma propriedade de alguns dirigentes. Pertence a democracia brasileira, tem deveres com ela.
PERGUNTA – Quais deveres?
RESPOSTA – Não querer ser sempre a lata de barulho da política nacional nem viver essa ilusão exagerada sobre si mesmo. Afinal é contraditório estar devorado pela vaidade e não ter vergonha de errar.
PERGUNTA – Por que se chegou a esse ponto?
RESPOSTA – Vários fatores, dentre eles vender a alma a publicidade. Em política ela sempre é um péssimo testemunho para a verdade. Outro fator, o eleitoralismo sem fim, que condicionou nosso espírito público e a noção de cidadania a disputa de eleição. Conduta de combate sem doutrina acaba em gangsterismo.
PERGUNTA – O governo Lula gosta de dizer que nada ocorreu de positivo no país antes da chegada do PT ao governo.
RESPOSTA – Isso é coerente com a história de um partido que se fez do contra. Nossa doutrina é o contrismo, a desinstitucionalização que agora nos ameaça. Nessa situação, o PT desenvolveu duas reações típicas. Quando as coisas vão bem, vem a mania de grandeza, aquela que diz que o Brasil começou conosco. Quando as coisas vão mal, vem a mania de perseguição. Parece que sabemos o que é pecado, mas não compreendemos bem seu sentido. Por isso nosso governo agrada mas não satisfaz.
PERGUNTA – Como o senhor vê o papel do Lula e do PT?
RESPOSTA – Como estão, os dois não vão salvar-se. E continuarão incompatíveis como dois escorpiões na garrafa. Política pura e de grupos, pragmatismo duro e sem princípios só aceitam como interlocutores ouvintes e admiradores. A vida pública é mais complexa do que a amizade e interesse.
PERGUNTA – O presidente sabia do mensalão e da operação tabajara?
RESPOSTA – Sabendo ou não sabendo o fato existiu, envolveu petistas e é corrupção, a variante patológica do poder.