Sobressaltos sem futuro

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 09 de outubro de 2011.

O mundo ficará mais maduro para a queda se insistir na política do apaziguamento que é socorrer os criadores da financeirização da economia.  Ou se continuar protegendo tiranias sem refletir sobre a máxima de Schiller: “para países governados por déspotas, só há salvação na ruína”. Ditaduras e bancos inventam as próprias mentiras nas quais passam a acreditar. E estão dispersando a legitimidade da autoridade mundial de tal maneira, que é impossível reconhecê-la num país, instituição ou indivíduo. A propensão dos governos a não se cercarem da influência de cidadãos livres é o mais negativo sinal dos tempos atuais.

Por um caminho totalmente torto chegaram ao fim às certezas quantitativas sobre a riqueza das nações. E também se fizeram evanescentes as convicções qualitativas sobre qual o peso verdadeiro da tradição cultural de um povo.  Sem nenhum juízo, o mundo aumenta o desprezo pela lógica das coisas, e deixa para o destino de cada um, a sensação de vivermos sobressaltos sem futuro.

O escasso fundamento no entendimento da doutrina democrática, facilitou a associação do abuso do poder econômico com a inércia da burocracia política corporativa.   Inibiu-se, assim, a autonomia criativa da sociedade, diante de um Estado sem capacidade para conduzir suas decisões pelo caminho do desenvolvimento de interesse geral. Nem todo apoio público ao setor privado reverte-se de benefícios para todos, ou significa melhor saída para crises de criatividade ou produtividade. A incubadora de gênios é a liberdade e a inquietude.

Está falido o atual projeto existencial da política e ameaçada a liderança do Estado para entender a sociedade. Neste vácuo agravou-se a irresponsabilidade social da economia financeira e, o medo e a insegurança, tornaram-se a principal política pública oferecida á sociedade nos países desenvolvidos.

Mas nem tudo está parado. Um novo sistema operacional está em curso e, com motivações surpreendentes, compete pela regência das relações internacionais.  Depois que a internet livrou-se da tutela militar e mergulhou o mundo na sua própria imensidão, não há mais nenhuma força que contenha a curiosidade humana.  Steve Jobs, por exemplo, construtor de “clareiras criativas”, desenvolveu seu sistema de comunicação portátil e digital que mudou , definitivamente, a relação com a música, o cinema, o telefone e a internet. Um inventor que não perguntava às pessoas o que elas precisavam. Órfão de pai vivo, foi em frente. Conectado com seu tempo agia, criava e progredia.

Andar como o salmão, contra a correnteza, é o que fazem os Médicos sem Fronteiras na sua luta contra os conflitos esquecidos. Não aceitam a neutralidade, que tanto agrada à diplomacia, e usam o princípio da ingerência humanitária em qualquer país vítima de catástrofes, conflitos, fome, epidemias e guerras. Agindo assim receberam o premio Nobel da Paz.  Voluntários que lutam contra a indiferença da indústria farmacêutica e a omissão do Estado diante das doenças dos países pobres. Criaram a Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi). Destinaram o valor do Nobel ao estudo e pesquisas das necessidades médicas dos pacientes esquecidos. E lutam por parceria público-privada não lucrativa.

As percepções da atriz Angelina Jolie sobre a solidão dos refugiados e da tragédia sem fim da Somália, onde pobres matam pobres, têm mais repercussão do que as inúmeras reuniões da ONU, EUA e União Africana sobre a carnificina e a fome no país. Assim como o instinto maternal de Madonna desperta tanto interesse sobre a sorte de meninos africanos quanto o dinheiro de Ted Turner ajuda a combater o sarampo e a AIDS na região. Desemprego, marginalização e exclusão são mais rapidamente atacados pelas graças da caridade de personalidades.

Empresas de classificação de risco são mais ouvidas do que bancos centrais e ministros da Fazenda. É que o uso arbitrário do poder econômico impôs uma desabilitação ao poder público. Mas isso nem é mais uma patologia, é a falência do projeto existencial dos governantes, reféns das redes de interesses privados em todos os países.  Por isso, muitos governos, já não são os mais importantes atores em seu território.

O mundo é cada vez mais uma folha em branco em que a ambição e a ambigüidade escrevem suas ordens. O econômico se apropriou do político e lhe transferiu o princípio da desigualdade, próprio da economia. Se a política continuar sem horizonte público ou elevada doutrina permanecerá dedicada a pseudo-problemas.  Um poder sem força e valores para a mudança.

“Trocaria toda minha tecnologia por uma tarde com Sócrates”. Steve Jobs, inovador, budista, irascível, vegetariano, milionário, sentia necessidade de filosofia.  Enfim, pode-se ver que o prazer e a satisfação humana, precisam de novos princípios majoritários.

Paulo Delgado, sociólogo, foi deputado federal.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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