Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 7 de Agosto de 2016.
Quando, o sofisticado professor francês, Pierre de Coubertin, apresentou em Paris o ambicioso projeto de trazer de volta ao esplendor os Jogos Olímpicos praticados na antiga Grécia, a recepção não foi unânime, nem encorajadora. Mesmo assim, 110 anos atrás reiniciaram em Atenas. Trinta edições depois chegam ao Brasil, a segunda vez no desprestigiado hemisfério sul.
A ida ao Rio, apesar da beleza da cidade, foi um desvio da prática ortodoxa de escolher a cidade-sede entre as mais globalizadas. O Brasil, vez ou outra, é a sétima economia do mundo, mas não tem nenhuma de suas cidades entre as mais modernas, conectadas e cosmopolitas do planeta. Nem São Paulo salva. Em influente ranking produzido pela consultoria A.T. Kearney nenhuma cidade brasileira fica entre as 30 primeiras “Cidades Globais”. O Brasil é um país inacabado, que nunca fica pronto. Basta alguém conseguir algum dinheiro, que logo faz uma obra desnecessária, barulhenta, inferniza a vida do vizinho, põe abaixo anos de história e cultura. Sem estar em guerra declarada é o mais violento país do mundo.
E assim continuará, até que alguma vontade mágica, ou planejada, queira parar de brincar de poder e influência e decida inserir o país no mundo moderno. Mas as diferentes elites do país – financeira, intelectual, política, sindical, popular, empresarial, eclesiástica, burocrática, cultural – não querem isso em número suficiente. Elas preferem visitar o exterior do que conviver com o exterior. Ter que negociar e competir constantemente com “eles” gera uma preguiça ancestral. Ninguém se engane, nossa permanência na areia movediça da riqueza-pobreza tem a ver, sobretudo, com o preconceito de não abrir e não participar, ativamente, no mercado internacional. Seja mercado de dinheiro, produtos, serviços, cultura, ideias e riscos.
Por isso, pelo que representa de cosmopolitismo, as Olímpiadas já são bem-vindas. O Rio está varrido. As próprias funções de gerar soluções urbanísticas e de infraestrutura atreladas a tais eventos são empurrõezinhos nas autoridades procrastinadoras. Quem não via que o centro do Rio estava um lixo? Que a perimetral era um horror que colocava, literalmente, carros acima de homens? Que a extensão do metrô e sua chegada à Barra impulsionaria a cidade, dando qualidade de vida a seus habitantes? Que as regiões portuária e central da cidade, poderiam virar um luxo? Beneficiando a todos, desde o simples olhar e caminhar até a geração de trabalhos sofisticados. As Olímpiadas são catalizadoras de mudanças locais que melhoram a realidade e que, em situação normal, não há força para implementar.
Mas as Olimpíadas são o que são em sua própria essência. Disputa entre representantes de países e grupos. Coisas mais antigas e interessantes como organizadoras da realidade humana. Frédéric Bastiat formulou a ideia de que em situações em que mercadorias não cruzam fronteiras, soldados ou traficantes o fazem. As Olimpíadas levam a competição física, intrinsicamente humana, para o terreno dos esportes. Esporte, e não violência bélica ou marginal, um alerta aos que só querem vencer, tripudiar, triunfar sobre os mansos de coração.
Tal local de disputa “soft” entre países foi a seu auge no século XX. Esquentou tanto que impossibilitou tal solução com o boicote a Moscou por Americanos e aliados, seguido pelo boicote a Los Angeles pela URSS. Barcelona, anos depois, foi uma mudança significativa na história olímpica. Atletas profissionais puderam participar. Foi o começo da junção entre as duas trocas que acalmam as grandes tensões da civilização. Esportes e negócios, podem andar juntos, suavizar fronteiras, diluir rivalidades sob regras de jogo, universais, o que é extremamente civilizado.
Ora, mas há uma encruzilhada já agora, seja no inverno ou no verão. A visão sobre tais eventos azedou mundo afora. No ano de 1976, Denver, nos EUA, resolveu não sediar os Jogos para os quais concorreu e foi contemplada. Uma vez escolhida, o sentimento dos eleitores da cidade mudou, referendo foi convocado, pediram desculpas e mandaram os jogos de volta para a Europa. Hoje cidades favoritas já estão abrindo mão de concorrer. Tal reticência é um alerta para os exploradores da boa-fé das pessoas que admiram os esportes.
As Olimpíadas fazem muito mais sentido hoje, em uma realidade global e local de violência e brutalidade, onde a competição pela vida anda sem regra ou limite. E projeta um horizonte otimista: não ter inveja do sucesso do outro, se emocionar com a vitória do adversário, reconhecer ou superar limites. Se as Olimpíadas contiverem tais sentimentos, temos chance de nos salvar.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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