TRUMP E A IMPRENSA

TRUMP E A IMPRENSA

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 09 de julho de 2017.

“O espaço o espaço o espaço aberto / O rei taciturno conhece / O espaço temporal do homem.”

“O Ocidente nunca quebrará. Nossos valores prevalecerão!”. “Falarei com a Itália nesta manhã!”. “Ontem falei com o rei da Arábia Saudita sobre a paz no Oriente Médio!”. “A Coreia do Norte acabou de lançar outro míssil. Esse cara não tem nada melhor para fazer da vida não?”. “Crime e assassinatos atingiram proporções tão epidêmicas que estou mandando ajuda federal. 1714 tiroteios em Chicago neste ano!”

A primeira frase é a versão do poeta Murilo Mendes, na estética japonesa do haikai, do rei Matsuo Basho, do século XVII, que cristalizou, na síntese da frase, o poder do instante. O tempo passa e o que é para o Japão a costa leste do Pacífico, na São Francisco de 2006, foi lançada a pequena pérola das mídias sociais, o twitter. Como pérola, é bela, doentia e valiosa. Todas as outras frases são de Donald Trump, o rei do twitter.  Governando a América e chacoalhando o mundo em 140 caracteres. Criatura midiática que adora duelar com a imprensa que tanto o atrai. Melhor não selecionar as indecorosas. Basta as últimas. É um estilo, não se precisa dos exageros.

Qualquer busca por uma compreensão consistente sobre o fenômeno Trump deve levar em consideração a linha de raciocínio construída por Moises Naím em seu livro “O Fim do Poder”. Alinhado aos movimentos que o livro  relaciona, sua tiragem estourou por ter sido escolhido por Marck Zuckberg, um emergente do poder das novas mídias, para inaugurar o clube de leitura de sua companhia, o Facebook.

Nas mais recentes eleições americanas, o Facebook foi essencial para a vitória de Obama e apoiou abertamente Hillary, não conseguindo o mesmo sucesso. Para além de figuras midiáticas e caricaturais como Trump, a tese de Naím aponta alguns porquês da volta do poder temporal das igrejas, essas igrejinhas não religiosas que vêm e vão ao sabor da moda. E que os políticos imaginam dominar, mas são por elas dominados. Veja o caso do Brasil onde Procuradores e Ministros do Supremo atacam políticos a pedido de jornais.

Se tal é a teoria em construção que lança luzes sobre o contexto Trump, vários estudos de caso são necessários para dar corpo à sua chegada ao poder e à sua decisão de se relacionar, de maneira conflitiva, com a imprensa. Um desses casos foi publicado na última edição da revista New Yorker. A reportagem relata a radical opção pró-Trump feita pelo American Media, corporação que detém uma série de revistas e jornais do gênero sensacionalista. Vendidos perto dos caixas de supermercados, a quase totalidade de sua renda vem da venda dos tabloides, não de propaganda e assinaturas como é mais de praxe nessa indústria.

Sendo assim, sobrevivendo por causa do mesmo tipo de impulso que leva uma pessoa a enfiar guloseimas que engordam entre suas compras, enquanto espera na fila do caixa, esses tabloides dependem visceralmente do impacto de suas capas. Num país que pacificou, da forma enfática e segura, a liberdade de imprensa, o compromisso com a verdade começa a ficar para o discernimento das pessoas e não para os escrúpulos de quem publica.

O jeitão de Trump no Twitter o faz mais próximo da população. Especialmente porque a linguagem associada à figura presidencial e à política é aquela empostada e empolada. Distante não apenas da maioria da população, quanto do próprio político real, como demonstram gravações vazadas da forma como conversam espontaneamente. Boquirroto que é, as gravações aberrantes não o constrangem. Por mais absurdo que seja, figuras como Trump acabam sendo identificadas como íntegras pela opinião média que desconfia do jogo de cena dos políticos tradicionais. Esse filtro hipócrita que protege tantas figuras públicas, e que entre nós ainda protege o Judiciário e o Ministério Público, foi aplicado de forma tão exagerada que caiu de podre em meio a tantos instrumentos da comunicação que estão em curso.

Trump provavelmente não sobreviverá, mas o que o ascendeu é que as pessoas têm a sensação de que com ele não há segredo e o país está a par de tudo o que ocorre. Melhor que no Brasil onde um Procurador e um Ministro estão derrubando um presidente a pedido de quem ?. Trump faz uma conexão direta com o homem médio, sempre a maioria. Algo que no momento é devastador de lideranças como Hillary. O escracho pop, vendedor e falsificador de notícias, impera no mundo e domina o reality show raso dos três poderes.

Mas isso é transitório. O espaço aberto se aglutinará em algum polo de sentido e direção que ainda não há. E engolfará autoridades impotentes cuja única situação que sabem enfrentar é recusar convite para jantar.

 

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Paulo Delgado é Sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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