Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 25 de Janeiro de 2015.
A Arábia Saudita é uma das vinte maiores economias do mundo. País quase todo um deserto consegue esse feito por conta da permanência histórica de um erro na matriz energética do planeta : a dependência e o controle do mercado internacional de petróleo. História de um grande negócio familiar protegido por armas sofisticadas conseguidas ao preço de alianças inesperadas, intrigas e traições. Uma economia desequilibradamente próspera; um reino guardado militarmente; uma potência política decidida a estabilizar e desestabilizar sua região e o mundo com suas ações.
Preocupada com o que se desenrola fora de suas fronteiras a família Saudita consegue colocar enorme peso nas alternativas que decide apoiar na encruzilhada das disputas políticas. De um país pobre unificado no início do século XX à potência política e econômica de hoje, asfaltou seu caminho de influência com atitudes firmes em defesa de seus interesses jogando um jogo complicado em que equilibra lealdade, opinião e estilo, aparentemente inconciliáveis, e adapta suas ações a um pragmatismo que assegurou a ascensão constante do país.
Em 2015 o país assume uma importância ainda mais desproporcional ao tamanho de sua economia e população. O receio é grande sobre como se desenrolará a sucessão do rei Abdullah, falecido quinta feira, em um período em que o país vem bancando ações arrojadas que vão da resoluta decisão de manter o mundo encarcerado ao petróleo à cambiante preferência que demonstram no apoio aos grupos que disputam poder no Oriente Médio. Sua teocracia light continua a líder maior dos sunitas nas questões de fé que tem levado às guerras sem fim por ali. E tem jogado sem os EUA o xadrez radical para enfraquecer o xiismo iraniano e outras ameaças.
Se é para as cidades de Meca e Medina, o Vaticano da fé islâmica, onde todos os muçulmanos se voltam ao realizarem suas preces, é em Riad, a capital do país, que está o segredo dos ajustes finos de poder que geram maiores consequências globais. E o poder que Riad significa hoje não é mais só do petróleo. Parte vem da centralidade espiritual que as duas cidades religiosas representam para muçulmanos e árabes. Em grande parte, porém, vem dos problemas da capital, pois há crescente insatisfação com a gestão dos negócios do país.
Década a década a aliança entre Arábia Saudita e Estados Unidos é reafirmada. Mas passa por um momento delicado. A base sobre a qual se sustenta é a troca do petróleo árabe pela proteção política e militar americana. O arranjo possibilitou um enorme afluxo de fortuna para o reino saudita. E a força dos petrodólares acumulados e distribuídos mundo afora tem resultados desestabilizadores. Ao decidir recentemente bancar a queda livre do preço do petróleo, Riad foi responsável por uma das ações de maior impacto sobre o futuro da energia limpa no mundo.
Em 1973 os países da OPEP surpreenderam ao tomar medidas para elevar o preço do petróleo. Alvoraçados no contexto da guerra com Israel, os países produtores, já liderados pela Arábia Saudita, imprimiam ao mundo o primeiro choque do petróleo. À surpresa geral seguiu-se uma série de reações que desencadeariam um período de grave instabilidade. No cômputo geral o efeito desse primeiro choque pode ser considerado dúbio. Isso porque, por um lado, aumentou a liquidez internacional com o excesso de divisas acumuladas nos países produtores a partir da elevação no preço do barril. Os petrodólares financiaram investimentos nos países em desenvolvimento, notadamente o Brasil. Mas por outro lado, aumentaram os gastos dos países não produtores com a compra do petróleo e iniciou – pela junção desses gastos com as obrigações devidas pelos empréstimos tomados – a escalada da dívida externa brasileira, por exemplo.
Quando ocorreu o segundo choque, dessa vez pela revolução iraniana, o papel saudita foi diferente. Afinal, a crise poderia ter sequência com a guerra Irã-Iraque a partir de 1980 até 1988. Só que depois de um período de susto até o fim de 1981, o ânimo dos mercados se acalmou. Nessa altura consideráveis estoques eram mantidos por vários países, bem como houve um aumento na produção da Arábia Saudita e ainda a própria desaceleração econômica. A produção industrial dos países desenvolvidos caiu com força entre o início de 1980 e o final de 1982, resultando em uma demanda inferior por petróleo. Hoje os EUA ameaçam ser a nova Arábia Saudita com suas explorações de xisto. Não apenas quebrando o monopólio da OPEP, mas ameaçando tornar o oásis petrolífero em miragem e forçando a região e o mundo a novos equilíbrios.
O planejamento dos interesses próprios que vem do deserto saudita continua a pautar os problemas do mundo.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
Com Henrique Delgado.
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