Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 14 de outubro de 2012.
Falar da sociedade atual desprezando a visível melhoria de vida e a constante e natural necessidade das pessoas é um dos esportes preferidos dos pessimistas em todos os países. Se o mundo desaparecesse, é difícil saber se fanáticos liberais, ecologistas, banqueiros e políticos dariam conta de perceber. Completamente tomados pela ideia de curto prazo, os defensores do mercado livre, da natureza intocável, da especulação financeira e do “quero tudo” seguem sua rotina de propagar o medo e a angústia diante do futuro. Mas nada disso acorda o gato do alto de seu salto, recorro aos versos de Iacyr Anderson Freitas para festejar as inesgotáveis possibilidades contidas na rotina democrática e no papel criador da liberdade.
Algumas tendências no embate entre regulação e desregulação nas sociedades atuais têm aproximado, paradoxalmente, esquerda e direita. Tanto a questão da defesa do mercado totalmente livre para a atividade econômica quanto o discurso do controle total da intervenção sobre a natureza convergem para a paralisia. Liberalismo e ecologismo enfrentam de maneira errada a questão da vida boa para todos. E se aproximam, de um lado, quando liberais santificam a livre concorrência e a associam à liberdade individual; de outro, quando ambientalistas submetem os seres humanos à ecologia estática, condenando a inovação e o progresso material. Os dois, mesmo de boa fé, contribuem para impedir a eficiência razoável do Estado como parte auxiliar na condução da vida em sociedade e como regrador essencial do desenvolvimento em tempos de globalização.
Felizmente a evolução da sociedade e da concepção universalista dos Direitos Humanos tornou cada vez mais difíceis e diluídas as distinções ideológicas, diminuindo o espaço para as experiências radicais. E hoje é possível ver a maioria da sociedade ser claramente progressista em alguns aspectos: é defensora do mercado desde que crie empregos e prosperidade; é apoiadora das políticas protecionistas sociais, desde que um direito transitório que vise a ascensão social não se transforme em lei permanente que remunere a distinção; é entusiasta da democracia quando esta não descamba para a plutocracia egoísta ou a tecnocracia excludente; e é cada vez mais republicana, desde que haja justiça, igualdade perante a lei e interesse pelo futuro.
Como o mundo é cada vez mais uma coisa só, não dá para pensar em protecionismo, providência estatal ou qualidade de vida sem levar em conta o que China e Índia, com seus mais de 2 bilhões e meio de habitantes, um terço da população da Terra, andam fazendo. Assim, lutar por uma boa regulação mundial, através de instituições multilaterais respeitadas, é um dos desafios para quem faz questão de liberdade, responsabilidade e conforto. Nenhum setor econômico ou intelectual, nenhum movimento político ou espiritual pode se considerar o guarda do templo da qualidade de vida e dos mais elevados valores humanos.
Não há mais monopólio político na análise das dificuldades pelas quais passam os países, seus habitantes e os recursos do planeta. A grande questão é saber integrar as ambições do mercado e do sistema financeiro às necessidades cotidianas das pessoas, fazendo a vida mais previsível, acessível e barata. É também necessário aceitar a ideia de que a ecologia deve dialogar com a economia para que o crescimento possa tornar-se sustentável, levando em conta os limites da natureza, mas principalmente não impedindo a ação da ciência e da inteligência, que é sem limites nos seres humanos.
A política tem sempre um papel destacado para hierarquizar os diversos interesses e sentidos que nascem da vida em sociedade. No entanto, tem se recusado a enfrentar os dilemas principais, filosóficos e históricos, de nossa história. Especialmente em relação à balizada intervenção do Estado na vida social. O que se vê é o sistema político incentivar a formação de guetos, diminuir o espaço do diálogo, descrer do universalismo de certos procedimentos. Em todos os países, quase sem exceção, predomina a vertente negativa da política, quando a preferência quase exclusiva pelo controle de clientelas se sobrepõe à falta de fundamentos econômicos que possam gerir o poder da globalização. Não é de se espantar que muitas das situações no mundo da delinquência em geral, de ricos e pobres transgressores, ainda escapem à lei.
Os países autoritários sempre terão mais dificuldade de se adaptar à velocidade do progresso. Mas os mais democráticos não poderão continuar fingindo que não têm nada com isso. É hora de repensar a solidariedade mundial e adotar outro tipo de ética na política internacional. Ninguém deve imaginar que poderá se salvar sozinho.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.
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