Insubordinação à chinesa
A China já é tratada como a segunda economia do mundo. Desde quando Deng XiaoPing aceitou a sugestão de Milton Friedman para abrir seu país para o mercado mundial e ver na Hong-Kong, ainda inglesa, o modelo de capitalismo para os chineses, a prosperidade ressurgiu no horizonte. Recém laureado com o Nobel de economia, Friedman talvez tenha ido longe demais com seu entusiasmo com a economia pura, essa ciência triste e ardilosa. O que saiu de um socialismo com características chinesas para um capitalismo com tais peculiares características, vem produzindo a corda que agora começa a enforcar a economia americana. Ironia da historia: o ideólogo do liberalismo influenciou a China a se abrir, num movimento então desejado pelos EUA. O teórico do monetarismo é que não deixa a China fazer com o cambio o que os norte-americanos hoje precisam. São lições do mestre de Chicago, e seus Bancos Centrais protetores, que estão em vigor no dragão asiático, irritando a águia americana, que por outro lado se vale da lição ao fornecer liquidez para mercados em apuros.
Ao ter feito da China o maior exportador para a América – balanceando a relação favorável aos chineses pela venda incessante a eles de títulos da dívida americana – estimulando os vinte anos de grande e continuo crescimento do novo parceiro, os EUA não dimensionaram bem as imprevisibilidades políticas de suas relações econômicas.
Os interesses econômicos regem o mundo, é uma regra atemporal. Está na capacidade dos agentes econômicos, pessoas ou governos, de avaliar onde mora naquele tempo específico o interesse majoritário para seu sucesso. Costuma ser onde você tem mais a perder. E o interesse majoritário dos EUA hoje não está no esforço para o qual se voltou. Por ter se metido num exacerbado voluntarismo militar que politicamente vem enfraquecendo sua liderança, corre o risco de numa conjuntura econômica desfavorável, vir a ter sua autoridade contestada. E hoje, na Ásia, África e Oceania o mundo não é mais unipolar, interessado que está nas boas graças que é ser parceiro da China. E junto com a prevalência econômica, num curso natural, também virá a político-militar.
A experiência norte-americana com a lealdade européia no pós-guerra, que resgatada da destruição, aceitou sua liderança, não se reproduzirá com a China. O país não se submeteu à Moscou enfraquecida, na época da União Soviética, e são claros os sinais de que o mesmo começa a acontecer com Washington. O ímpeto chinês com aliados, historicamente, não é de deslocar-se em suas órbitas como satélite – pelo menos quando já se sentem capazes de levantar a pedra da autonomia sem que ela lhes caia nos pés. Tendem então, a distanciar-se, distinguir-se e voltar sempre a reivindicar a condição de Império do Meio. Não esperem, pois, os EUA, dos mandarins a fidalguia européia.
De pouco adianta ter poder sem ter autoridade. A incongruência do governo americano frente à vontade comum interna e aos anseios externos vem sendo compensada por uma errática farra econômica e financeira de repercussões mundiais e horizonte sombrio. Mas a China, por seu lado, tem sabido a hora de usar dessa exuberância irracional da economia para mandar seus muito racionais recados políticos.