O Narcisismo da Economia
O Globo – 1º de dezembro de 2014.
Não foi jabuticaba que Eva comeu, nem o pecado original é coisa recente. No entanto, que os índios brasileiros descobriram Cabral antes de serem por ele descobertos, pode ser uma tese relevante. Melhor do que acreditar em desenvolvimentismo sem crescimento, com juros e inflação. Ou seja, para manter a sanidade, não se deve duvidar que na área econômica, a campanha da presidente Dilma foi uma coisa, seu governo, será outra.
Todos já se acostumaram, particularmente os eleitores que ainda votam e os juízes eleitorais que atestam a legalidade do teatro, com a ideia de que a função do processo eleitoral é desorganizar a maneira de pensar dos brasileiros.
Ninguém pode avaliar o tamanho da esperança que o PT despertou se não participou das ilusões criadas por ele. Por isso há pouco benefício em acreditar nos seus sofisticados defensores atuais. A vida que muitos querem viver ou impor aos outros não é a vida dos que pensaram um partido coerente. O PT original não era íntimo de ninguém, não procurava interpretação favorável aos seus pecados e nunca amarrou no seu andar o elevador por onde pretendia subir.
Assim Dilma não precisava impressionar os incoerentes e incinerar Neca Setúbal, nessa rinha ritual que emerge da deformação do marketing político. Se o que estava pensando era melhorar o país e fazer do segundo mandato uma correção profunda da política econômica do primeiro, todos compreenderiam. Agora fica parecendo que Marina, única a pedir demissão dos ministérios petistas por discordar dos seus rumos, se errou na campanha, foi de banco.
Só mesmo o narcisismo da economia para ver no Bradesco a virtude que foi considerada pecado em relação ao Itaú. Além do mais, se as decisões intelectuais e estéticas da área tivessem alguma relação com a grande politica, soaria mais confortável a Joaquim Levy agradecer ao mundo estar no banco certo na hora certa. Embora de méritos inquestionáveis, aumentado pelo prestígio de ser vinculado a Armínio Fraga, o ministro da fazenda de Aécio, o novo ministro pareceu escolhido fora do governo.
Os governos do PT, como nunca mudam de pensamento em relação à economia, precisam escrever cartas de penitencia e requisitar patriotas da emergência para deter suas teses equivocadas. Levy veio da Fazenda e do Planejamento de Fernando Henrique para a secretaria do tesouro do governo Lula. Assim como foi um deputado federal tucano o presidente do Banco Central do governo petista. Anexando pessedebistas como território ocupado de seu pragmatismo o governismo petista encontrou uma forma de não evoluir doutrinariamente, nem precisar se arrepender do ardil eleitoral que o beneficia. Deixa os vitoriosos à deriva e desmoraliza a crítica ao contratar os críticos.
O que você vê muito objetivamente não é política, especialmente dançar na boca do vulcão. Que venha um governo melhor, pois ninguém administra as consequências humanas de um poder incoerente.
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PAULO DELGADO é sociólogo.