Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 5 de Abril de 2015.
Nunca olhe para o abismo. Ele pode de repente olhar para você de volta. É do conturbado e lúcido Nietzsche o alerta. Não deveria ser tão compreensível a repulsa e o medo, o desconforto, a falta de condescendência que envolve ver de frente o funcionamento complicado que a mente apresenta na vida diária,em família e na sociedade. De que lado está o abismo é outra história. Há um pequeno desentendimento entre a mente e o corpo em todos nós e a grandeza da vida é poder encontrar, ainda assim, um caminho para a felicidade passar.
A realidade chocante da informação que a tragédia do voo da companhia alemã Germanwings foi obra do copiloto, clareia parte de uma realidade mantida nas sombras sobre o silêncio da sociedade diante do avanço das taxas de suicídio. No mundo, aprobabilidade de alguém morrer por si mesmo produz estatísticasque se aproximam das do crime que é ser morto por outra pessoa. Tal transfiguração do humano é a mais entrelaçada condição que a subjetividade presencia. Abrir mão da vidae levarconsigo o mistério ao qual entregou seu destino.Por que demoram tanto as condições para diminuir de tal sofrimento ?
Mais de 60% das mortes ocorridas no planeta hoje em dia são causadas por doenças não transmissíveis e no topo da lista os transtornos neuropsiquiátricos. Ao longo da história humana doenças transmissíveis sempre foram nossos maiores algozes. Primeiro a precariedade natural da vida selvagem e depois a precariedade organizada da vida em sociedade sempre estipularam um teto baixo para a expectativade vida. Matusalém que viveu muito na certa se espantaria com todo o tempo à disposiçãodo viver atualmente. E mais relativo que o tempoé a qualidade da vida espiritual das pessoas.
A globalização de estilos de vida não saudáveis dá a tônica atual. Resíduos dos avanços materiais que se espalharam por todos os cantos. Sedentarismo ou academia em excesso acabam levando a mesma coisa. Pior mesmo a solidão da vida individualista e seu sistema de valores que faz de todo dia um duelo.
A doença mental pode afetar o potencial no relacionamento com os outros, cuidado com a família e consigo mesmo. Mas principalmente a capacidade de assumir e cumprir compromissos econômicos. Um problema especialmente prejudicado pelo fato de que, apesar de todo seu efeito incapacitante, pessoas que enfrentam problemas de saúde mental tendem a ser menos assistidas, por exemplo, do que aquelas que enfrentam deficiências físicas ou sensoriais.
Sob o humor da crise econômica que irrompeu no final da década passada, ao top dos capitalistas reunidos no Fórum Econômico de Davos, foi apresentado um relatório encomendado à Escola de Saúde Pública de Harvard. A ideia era contextualizar para os senhores do pragmatismo e do lucro quanto as doenças não transmissíveis pesam no bolso do mundo. Profissionais da saúde e mesmo empresários têm noção dos custos derivados de situações de adoecimento. Afinal, para esses dois grupos ficam mais visíveis os efeitos sobre a alocação dos recursos disponíveis seja para o paciente, no primeiro caso, ou para o trabalhador, no segundo. Mas os planejadores responsáveis por garantir condições decrescimento e desenvolvimento da economia global não possuem uma noção clara desses custos. Ainda não chegamos ao tempo em que a saúde interesse a todos os indivíduos e autoridades, em todos os aspectos. Para estar em equilíbrio com os outros é preciso aceitar que erros e ilusõesaproximam e distanciam as pessoas, assim como, saúde e a doença, precisam ser vistas como uma parte só do indivíduo plenamente assistido.
Há diferentes formas de se calcular quanto a sociedade deixa de ganhar por conta do sofrimento de seus membros. O estudo de Harvard indica que as perdas advindas de conviver com a saúde debilitada em 2010 foram de quase 23 trilhões de dólares em todo o mundo.Ou seja, um terço do PIB mundial. A projeção para 2030 é de 43 trilhões de dólares perdidos. Somente o não tratamento das doenças mentais retira da economia global 2,5 trilhões de dólares por ano atualmente. Valor que subiria para 6 trilhões em 2030, confirmando as doenças mentais como as maiores responsáveis por perdas econômicas.
A frieza dos números alerta para o descabido fato de a saúde mental não estar no centro das preocupações de saúde pública global, ainda que seja na realidade o sofrimento que mais gera perdas econômicas para todos. Quem sabe os senhores do mundo, diante de tal prejuízo, percebam que a indiferença, o estigma e o desamparo devem ser combatidos. Afinal, assim como são diferentes as trilhas do cérebro são igualmente inúmeros os caminhos para fazer o bem.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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