A MINHA FUNDAÇÃO
O Globo – domingo, 5 de outubro de 2015.
Desaprenda, se quer fugir ao desamparo e à profanação da politica. Afetado por uma espécie de paranóia branda no presente, com discurso desprovido de afeto, o político teme o esquecimento do futuro. E constrói uma saida para sua falta de recolhimento. A gloria de imperar sem a economia, a benemerita fórmula de manejá-la: causa justa limpa dinheiro sujo.
As Fundações, originadas da preocupação de ordens religiosas em preservar seu acervo, tradicionalmente homenageavam os santos. Do ramo da filantropia e fora do campo tributário tais instituições não lembravam o mundo da economia. Até que chegaram os ex-presidentes.
O mais elogiado exemplo de ex-presidente operando entre um mundo e outro é o de Jimmy Carter. Embora tenha feito tais fundações adquirirem esse caráter de escritório que funciona como partido da pessoa se dedicou a empunhar bandeiras humanistas. Ganhou o Nobel da Paz com sua agenda de pouco zelo lucrativo.
Para contornar desconfiança, o criativo Obama quer dar a largada em sua fundação ainda no governo e arrecadar mais do que seus dois antecessores. É inclusive uma sugestão pessoal do enrolado Clinton: angarie logo de uma vez o máximo de fundos para tocar seus projetos e assim, enquanto é mais fiscalizado pelos poderes do Estado que dirige, se protege das críticas de que anda cobrando faturas atrasadas quando deixar a presidencia. Fuja da propina pós paga, invenção supra-ideológica da periferia.
O fato é que ocorreu uma mudança significativa nessas organizações que funcionavam como bibliotecas e museus, parques temáticos do orgulho nacional. Época em que, o melhor do lider, era ser um polo do desapego diante da atividade lucrativa. Mas a vitoria total do capitalismo foi assimilada com rapidez pelo sistema financeiro que formulou respostas habilidosas para os que queriam liderar o novo mundo. Ocuparam os governos, assessorando e financiando os eleitos. No Brasil se uniram aos empreiteiros entusiasmados com a eloquente simpatia de Lula pela amizade prática dos ricos.
A realidade tumultuada de Clinton só existe por via de sua atuação extra, bolada pelos ideólogos do mundo sem ideologia. Avançou o sinal em direção ao lobby fazendo tais fundações funcionarem como governo paralelo. Embaraçou a candidatura de Hillary.
A criatividade brasileira inventou o casamento do apetite neo-liberal com o discurso da responsabilidade social. Mirou em Blair e seu mundo de negócios pós politicos.
O caso de Blair é o mais sintomático. Seu escritório é um guarda-chuva de várias fundações e de uma multi-milionária empresa de consultoria, a Tony Blair Associates. O financiamento da reconciliação politica é o principal ramo de negócio criado pelas fundações. Com sua ação ajudam a consolidar um tipo de controle que faz a maioria, inclusive o lider, mero consumidor, espectador, assinante, ouvinte, apoiador: o mundo de quem sonha ter o status do outro.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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