Bolhas de Sabão
O Globo – 7 de Abril de 2014.
“A base, a base aqui está e quem não for da base devolva o crachá!” Era mais ou menos assim que resolvíamos as questões de divergência no movimento político que frequentei na juventude. Uma reverência, em forma de slogan, à mania nacional de simplificação. Mas tolices não se tornam verdades só por serem cantadas ou ditas aos berros.
No fim, qualquer que seja o método de atuação, o que prevalece em política é o prazer de ver a maioria submeter-se, ser parte da máquina. Mas, como entra muita luz no mundo todo dia, querer unidade na busca do poder pode se tornar falso, produzir mal-estar de tempos em tempos e levar grupos políticos à saturação.
Há algum tempo era mais ou menos consenso que, se não houvesse ciência e tecnologia, trabalho relevante era o de cortadores de lenha e carregadores de água. Com os problemas de abastecimento e energia, o princípio retorna, pois todos pensavam que faltar luz e água no Brasil seria como imaginar Lisboa a capital.
Trajetória acidentada também é a da polícia, onde os interesses de segurança dos cidadãos transformam-se sempre em aventuras e arbitrariedades. Sem falar da submissão da moeda nacional aos interesses da especulação financeira.
São desconexões entre o desejo e a realidade, que provocam as inquietudes, estimulam a constante polarização, estabelecem tonalidades proibidas e levantam dúvidas sobre a direção do progresso. Quando o equilíbrio não produz calma, nada pode atingir a perfeição e produzir direito. E, sem a concordância sobre a necessidade de harmonia, a sociedade não se encontra.
O Brasil enfrentará outra eleição sem ser a nação calma e jovial que todos pensavam e com um ambiente de relacionamento saturado. Nossos governos nunca foram equilibrados e contribuem para excitações desnecessárias, especialmente quando líderes transformam em bons negócios sua representação. Conflitiva e tutelar, nossa história está cheia dos tipos “eu ganhei, nós empatamos, eles perderam”, e sombrias teorias autoritárias sobre “nada fora do Estado”, “nada contra o Estado”, “tudo dentro do Estado”.
Essa combinação de interesse e repulsa pela política reflete o clima espiritual sem imaginação que a domina. E o hábito propagandístico das autoridades demonstra o diletantismo de sua vocação para o poder.
Tudo é uma pedagogia dominada por erros especulativos, labirintos, onde os mortos governam os vivos. Não há evidência de um plano predeterminado, que, através de exemplos, provas, disciplina, possa fazer as decisões exprimirem valores e sabedoria.
O que transparece é a obrigatoriedade de satisfação ao capricho oficial, entregar-se ao patrocínio. A tendência é incitar pessoas a um destino segregador, esquivar-se de cumprir com sinceridade compromissos, evitar tornar as coisas compreensíveis pelo conhecimento histórico, cultural e científico.
A liberdade, além de um valor, é também uma técnica a ser praticada para tornar-se uma instituição social vívida. Fazer um cidadão votar tem sido possível. O impossível tem sido fazer seu sonho não estourar como bolhas de sabão.
Paulo Delgado é sociólogo.