Bússola de Motivos
O Globo – 2 de janeiro de 2012.
“Durante toda a minha vida só fiz uma coisa: melhorar”. Assim João Cabral de Melo Neto resumiu sua história de funcionário publico, diplomata e poeta enquanto deixava-se fotografar para o livro Senhoras e Senhores de Orlando Brito.
“Quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista? Por quais atalhos isto se realizará não podemos adivinhar. Mas uma coisa podemos dizer: tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.” Este o trecho final da resposta de Freud a Einstein a respeito de suas indagações sobre os motivos da guerra e da chance de serem eliminadas as inclinações agressivas dos homens.
Duas opiniões otimistas de dois homens internacionais que, como ninguém, souberam penetrar no sentimento das pessoas e das coisas e concluíram suas vidas, consagrados e com louvor.
Há muitos anos a sociologia busca formular hipóteses e teorias sobre o funcionamento da sociedade e a motivação dos seus processos. Muitas vezes sem a precisão dos teoremas das ciências exatas ou a sofisticação da teoria dos instintos da psicanálise, mas com razoável grau de pertinência. Muitos deixam sua conduta ser influenciada pelo simples sentido que atribuem à determinada situação. E ficam desatentos para o que disse o sociólogo W.I.Thomas a respeito de como reagimos ao desconhecido e ao diferente e como a força da vontade pode ajudar a criar uma dada realidade: “se os indivíduos definem as situações como reais, elas são reais em suas consequências”.
O início de um novo ano é um bom momento para que as pessoas, especialmente as autoridades dos três poderes, reflitam sobre a força das ideias e dos desejos nas decisões, condutas e atitudes humanas. Ideias preconcebidas, descuidos, estereótipos, preconceitos, pessimismos de toda a ordem e observação fria e estática de fatos acabam por constituir o princípio da profecia que se cumpre por si mesma e que está na origem de inúmeros erros e injustiças. Uma conclusão falsa, uma opinião superficial, uma palavra mal dita, uma decisão leviana pode produzir, como se fosse verdadeiro, um conceito originalmente falso. E são essas falsas profecias que induzem, explicam ou estão na raiz de grande parte dos problemas e desentendimentos raciais, religiosos, profissionais, de classe e políticos do mundo atual.
Há casos de notória má fé e manipulação política na origem de inúmeros conflitos e guerras. Nestes casos a violência não produzirá lei ou direitos reconhecidos que conduzam à paz. É a base da maioria das guerras no continente africano, de grande parte dos conflitos no Oriente Médio, dos extermínios perpetrados por fanáticos.
Há, ainda, os privilégios de juízes, onde a justiça finge se manifestar através de graus desiguais em relação ao povo; e a persistente situação em que políticos se colocam acima das proibições que se aplicam a todos.
É preciso inventar uma nova paciência e sabedoria nas ruas, escolas, locais de trabalho, instituições e na vida das nações. Com isso compreender a densidade existencial das pessoas e ser capaz de estabelecer relações de parceria, tolerância, fraternidade. E assim afastar a influência dos profetas do preconceito presentes na maioria dos erros da vida diária. Muitos não se dão conta que os motivos idealistas e solidários podem sempre se situar no primeiro plano da consciência e afastar os agressivos e destrutivos. E que tal atitude é essencial para viver em sociedade, pois não foi encontrado, ainda, nenhum método para separar nossa conduta pessoal, por mais privada, reflexiva, erudita ou científica que seja das suas implicações para as circunstâncias da vida de todos.
Qualquer Estado pode ser responsabilizado por práticas de atos ilícitos ou que causem danos a outro Estado. Danos nem sempre de ordem material punidos com sanções econômicas. Há danos imateriais. Este é o princípio da responsabilidade internacional. Que não é menor que o da responsabilidade individual e da busca da justiça e felicidade para todos.
Uma bússola para bons motivos é a oferta do início do Ano Novo.
Paulo Delgado é sociólogo. Foi deputado federal.