DIÁLOGO SOBRE UM MONÓLOGO
O Globo, 6 de junho de 2016.
A necessidade de atormentar os outros é uma das necessidades morais da política. Tem seus códigos. Está baseada na ideia de que devemos cobrar de adversários o que não pode ser oferecido.
As imagens do político, segurando cartazes ofensivos nas costas de alguém que diz algo diferente do que ele, não reflete o desejo de mudar realidades sociais. Tenta dar valor documental à forma como enfrenta sua dificuldade de expressão; são imagens planejadas para serem vistas como limites de uma situação confusa. A correspondência com a verdade é desnecessária. Os meios de comunicação, enfeitiçados pelo acontecimento, consagram a mistura do fato com a versão.
O cartaz, uma propaganda manipuladora, é um cala a boca. Estereotipo da luta política em sua equação simplificadora: quem fala não presta, quem segura o cartaz presta. Estilisticamente, a revolta parlamentar brasileira está um horror de mau gosto. E quando a proposição simbólica dos movimentos políticos não se preocupa com a sua iconografia estamos distantes de causa que produza entusiasmo. O mero esforço físico de levantar o cartaz, para azucrinar a criatura que recebe, de um outro, atenção maior, não deveria exaurir o esforço intelectual de ter que explicar o segredo daquela grosseria. Ainda é impossível mapear a natureza desse fenômeno de insubmissão ao bom gosto. A “política cartaz” delimita território, escreve faixa, camisa, picha muro, um fato que tomou conta da expressão limitada do agente público.
A maior parte das ideias políticas em circulação segue pontos de vista corporativos, elitistas, anti-intelectuais. A ascensão das fraternidades, causas, frentes ou simples máfias, com o desaparecimento veloz do fundamento doutrinário, é mais capaz de arregimentar exércitos, do que programas, projetos e debates de caráter geral.
Como em um concurso de bandas o personagem está sempre no palco, um espetáculo que tem até propaganda no fundo e dominou as instituições da república. Como se a autoridade fosse um atleta, obrigado a dar entrevista na frente de um painel que informa que ele está devolvendo o cachê aos patrocinadores. Esse narcisismo incontrolável das instituições obriga o contribuinte a pagar para a autoridade fazer propaganda do seu dever .
Atualmente um político antiburguês de esquerda anda muito parecido com um antiburguês de direita. Mas usar retórica antipolítica para polarizar os baixos instintos que inundam a sociedade de massas é chover no molhado. Aumentou a incidência da cultura de bar, que sugere resolver todas as questões na briga ou no grito. Outra marca da vida atual é viver em gueto e só falar para quem já está convencido – uma sintonia fácil com a economia moral da multidão de minorias.
Sei que é um aparente contrassenso, mas o bom governante não deveria ter o mesmo ponto de vista do governado.
São muitas as expressões-código da luta política – e o cartaz que diz que o PT é o pior partido brasileiro é uma delas. Óh!, sabem que não é. Mas um período de silêncio de seus líderes ajudaria o momento. Como confundiu o Brasil na simpatia seria bom torcer pelos outros, ou sentir um pouco de remorso.
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Paulo Delgado é sociólogo.