Dois Brasis
O Globo – 4 de Julho de 2016.
Avianca, quinta-feira, início da noite, Brasília para Santos Dumont. Tam, segunda-feira, fim da manhã, Confins para Brasília.
Todos os dias, de forma escandalosa ou prosaica, o Brasil desvia o olhar de seu futuro. E o corriqueiro embarque de duas autoridades da cúpula do poder judiciário, em 2 aeroportos civis do país, mostra como estamos longe de uma mesma ideia de nação.
O cidadão comum, diante dos ritos secretos do país, acompanha o teatro da democracia com receio de ficar mais danificado. E quando vê a instituição que triunfa sobre o mal, ainda encontrar, neste tempo de perdição, o máximo de prazer e distinção em um acontecimento rotineiro, supomos que é por sadomasoquismo que o Estado se relaciona com a sociedade.
Hoje, é possível encontrar, povoado de pessoas culpadas ou importantes, todos os lugares que se frequenta. Maus por profissão, ou designadas como relevantes, o Estado cria, meticulosamente, caminhos próprios para se justificar: a sanção legal, alta para alguns, especialmente os jovens e os pobres, e a personalidade e seu título, com possibilidade de se expor sem embaraço.
A forma de apropriação do privilégio, quando irrefletida, costuma ser posta na conta do mérito individual. Mas a habilitação de uma autoridade pública como ser humano incomum, salvo raríssimas exceções, é uma falsa legitimação da superioridade moral. E permite uma dúvida: como requerer para o corpo proteção sem parecer supor ter a alma distinta dos demais ?
Olhe os dois cenários, as coisas parecem ocas, a apreensão irrelevante. Sua preocupação são ausências, o Brasil, como a Índia, é um forjar de proscritos!! O poderoso desempenha seu papel, a sociedade os venera. Não é a estrutura institucional, são disposições interiores, condutas fixadas pela infância. Hoje herói, amanhã maldito. O Brasil é unívoco.
E aquela apropriação do bem escasso, a fúria da opinião, a injusta generalização que acompanha o humor diante do comportamento das autoridades, se dirige em direção ao nada. A vaidade por costume apenas assombra a comunidade das pessoas comuns. A modéstia por natureza, como faz o que qualquer um faria em seu lugar, tornar-se inessencial. E como são valores que vêm de cada um, nada é salvo pela máquina dos costumes do Estado. O erro torna-se nada. E se o mal não é nada, há mais magnetismo ser atraído pelo mal.
Em dois dias diferentes, dois ministros do Supremo se movimentaram em dois dos mais movimentados aeroportos brasileiros. Um embarcou com seguranças, um ritual de sociedades arcaicas, o porte de quem carrega um segredo. Desceu no Rio, por uma escada lateral, seu carro estacionado na pista, debaixo do avião, um risco para a segurança de todos. O “resto”, os contribuintes, seguiram pela porta dos costumes. Poucos dias antes, em Belo Horizonte, sua colega chegou sozinha para embarcar, carregava sua pasta, ocupou a poltrona do meio, desceu em Brasília sem que ninguém a esperasse, e seguiu para sua vida profissional, como pregam os costumes.
Não é severa a sentença: se um jovem decidir ser juiz quem lhe parecerá um estranho completo?
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Paulo Delgado é sociólogo.
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