Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 6 de janeiro de 2013.
Quem é capaz de apontar características dos habitantes de um país sem cair em estereótipos, superficialidade ou flagrante injustiça? É um risco quando artigos, ensaios ou crônicas registram os fatos com ousadia maior do que a transcrição jornalística dos acontecimentos, documentos e imagens. Os meios de comunicação criaram as celebridades de um dia, e ampliaram o número de mitos de maneira mais natural do que no passado. E mais rapidamente do que nas épocas em que predominava a transmissão oral de grandes feitos e a ação dos líderes era transformada em convenientes pinturas heroicas, ou intimidadoras estátuas nas praças públicas, de cavalos mais charmosos que seu cavaleiro. Hoje, basta uma boa foto manipulada, a produzida entrevista ao rádio ou à televisão, um filme idólatra, o livro mistificador, a música que bloqueia o uso da razão: tudo serve a escritores, artistas e líderes políticos como se fosse um clipping, oferecido como companhia permanente da população.
Fazer da historia uma cena tornou-se uma exigência da política moderna e a imagem e a opinião são usadas para fabricar heróis ou vítimas. Ler imagens passou a ser tão importante como compreender textos, decifrar notas oficiais, entender dados e balanços sobre a vitalidade econômica e social de um país. Isto porque nem sempre o significado das coisas é o mesmo para a autoridade que o produz ou para a população a quem é dirigido. Muitas situações são encomendadas e refletem mais a relação entre clientes e patrocinadores do que uma situação política importante para todos. Por trás das imagens e discursos há muito de teatralidade querendo envolver o observador como testemunha de processos privados, ainda que seus personagens sejam pessoas públicas. Cabe sempre, portanto, especial atenção para não receber e processar sem crítica as mensagens por trás de discursos e fotos arbitrariamente difundidos. Observando bem quem fala na televisão é possível ver com nitidez outro rosto além da face que tagarela ali na nossa frente.
A história mundial é pródiga em exemplos de autoridades e líderes que desapareceram de pinturas, fotos e cartazes por razões políticas. Como se fosse possível apagar um ex-amor das fotos de um casamento que parecia feliz e longevo na época da cerimônia das bodas. O “esquecimento” pode também ser provocado pelo moralismo, quando vemos a adulteração de fotos, pinturas ou filmes pela censura ou pelo comportamento iconoclasta dos que atacam imagens e mitos para chamar a atenção para uma causa qualquer. São formas históricas do vandalismo estético ou moral. Há casos de todo um período da história onde a profusão de símbolos de homens e feitos grandiosos se transformaram em sombra. Recentemente, basta ir ao parque das estátuas na periferia de Budapeste para ver o que fizeram com os heróis comunistas que governaram a Hungria e o leste europeu até a queda do Muro de Berlim. Por fim, existe sempre a possibilidade de que, mudados o tempo e os humores, um revisionismo qualquer venha a reintroduzir com louvor personagens guardados nas salas de despejo da história.
A princípio era de se esperar que a renitente coletânea de personagens e sua inevitável diluição no dia a dia acabassem livrando os cidadãos dos exageros e manias de suas celebridades. Mas não. A sociedade contemporânea, principalmente quem ganha com a veiculação de estereótipos, não parece disposta a iluminar a psicologia dos discursos e imagens que lhe são oferecidos todos os dias.
Na prática, uma nação é a própria heterogeneidade de sua gente. Mesmo assim, todos os povos são parecidos a seu modo e é possível arriscar traços predominantes que os sintetizem. Ainda que hoje exista uma uniformização de tudo, características humanas comuns são melhor delineadas do que as imagens que a propaganda faz de suas celebridades.
Mas o reconhecimento de uma “natureza” humana, essencial para que haja tratamento igualitário, não pode ser confundido com interpretações arcaicas como as que buscam reduzir a diversidade de um povo a duas ou três categorias: se prolixo e inventivo como um italiano; concentrado e prático como o inglês; meticuloso e duro como o alemão; tradicional e moderno como um japonês; suficiente e direto como o americano; dispersivo e imediatista como o brasileiro; competente e dissimulado como o chinês; intenso e saudosista como o argentino; racional e místico como o russo; implicante e veemente como o francês.
A exigência de consentimento diário da população para receber e tolerar notícias divulgadas como importantes para todos deveria ser manejada com mais cuidado por seus beneficiários. Autenticidade e veracidade, às vezes, são simulacros por trás de fatos e fotos.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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