O COMPORTAMENTO CONFLITUOSO
O Globo – 5 de junho de 2017.
Por que tanta paixão se já estamos em guerra? Melhor seria começar a raciocinar. Não é o orçamento monetário que faz uma autoridade eficiente. É o mobiliário moral que utiliza. O mal vem gotejando lentamente e aproxima dois mundos escandalosamente vencedores.
A situação permanente de conflito em que vive o Brasil contém um fato estranho. Menos de 1000 autoridades do Estado consomem o tempo de 204 milhões de habitantes. Número semelhante de marginais comanda o crime que inferniza a vida dos moradores das cidades.
Quem pilota a tensão nacional atual – políticos, juízes, procuradores e policiais – na alta cúpula dos Três Poderes, anda usando voz de comando parecida a de quem atemoriza bairros. Curve-se, aqui mando eu, você pode, você não.
Nada protege a mente obcecada por influência da submissão total ao padrão oferecido pelo privilégio. Se a vaidade é do poder o maior recreio, a ambição é seu fundamento. Nenhum dos grupos, do lado oficial ou da banda delinquencial, cuida de prevenção, contenção, moderação ou termino das hostilidades em sua área. Com objetivos diferentes o denominador comum é aumentar os envolvidos e aprisionar o país na apuração e produção do delito.
O privilégio, no Estado e no crime, é ser parte do conflito. É ele a causa da corrupção e da violência. Mas ambos advogam, com algum sucesso ainda, que são na verdade sua consequência. Conseguiram uma razoável desordem bem administrada na cabeça da sociedade para confundir a origem da bagunça nacional.
Quando jovens delinquentes chegam ao topo do crime, antes dos 25 anos, se metem na vida faustosa de carros, seguranças, drogas, hotéis, lajes com churrasqueiras e piscinas. Delimitam território, impedem que pessoas livres circulem, não deixam crianças ir escola. Definem o acesso e a frequência à praia para punir a maioria. Morrerão antes dos 30 por contribuírem para que o país não seja justo.
Na alta cúpula do Estado, antes dos 40 anos, muitos se sentem velhos. Funcionários humildes carregam suas malas e, certos de aposentar antes de 60 anos, alugarão a mansão que compraram com salário extra-teto e auxílios impublicáveis. Viajarão por dois anos pelo mundo, como saudáveis inúteis, cujo espírito saiu do corpo antes da hora. E por mais 40 anos serão pagos pelos que trabalham. Especialistas em capsulas de café, entediados fumadores de charuto, bebendo conhaque no calor criticarão a violência do país que ajudaram a fazer injusto.
O comportamento conflituoso nasce de objetivos morais incompatíveis com a vida da maioria das pessoas. O conflito é uma técnica e um instrumento de poder que visa impedir a fundação de um sistema de segurança e compreensão coletivos. Freia o sistema de negociação e arbítrio, a cultura da autonomia que nasce do diálogo e do partilhamento de interesses da sociedade envolvida.
Qualquer jurisdição de exceção deixa sem saída a maioria. Seja da elite legal, com seus ninhos e lobbys de carreira, seja da elite ilegal, pela imposição do medo. Ambas permanecem ativas pelo espirito de corpo e instrumentos de coerção superiores aos que a sociedade dispõe.
Duas margens de um rio que ameaçam se encontrar.
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PAULO DELGADO é Sociólogo.
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