O estrangeiro
O Globo – 2 de abril de 2012.
É cada vez mais descontínua e volátil a percepção da realidade pelos políticos franceses. Os dez candidatos à presidente da república nas eleições cujo primeiro turno será no final deste mês, pegaram o estrangeiro para Cristo. As pessoas e as mercadorias, tudo que vem de fora anda mal falado no país do iluminismo. Nação mais visitada do mundo, com produtos cobiçados nos cinco continentes, a França reage com mau humor ao mal-estar da política e da economia, estas atividades movidas por oportunidades e oportunismos.
A campanha presidencial está um panfleto de um único objetivo: achar um culpado. Os franceses tinham tanta consciência de que o debate sobre os imigrantes e as minorias estava tão agressivo e racista que, sintomaticamente, quando se deram conta da série de assassinatos no sul do país, não saia de suas cabeças o massacre de Oslo no ano passado, onde um neonazista trucidou dezenas de pessoas indefesas. Quando a policia descobriu que o massacre de Toulouse e região fora feito por um fanático “deles”, de descendência árabe, um certo alívio tomou conta da maioria. “Afinal não somos tão ruins assim, enquanto eles, que tanto criticamos, continuam os donos das atrocidades”.
Se o autor das sete mortes fosse outro, o rumo do discurso da campanha certamente mudaria. E a análise sobre os estrangeiros e sua contribuição para a história do país encontrasse um caminho mais equilibrado e justo. Porque o mais difícil de fazer é defender a ideia de que, sob o discurso da bestialidade, qualquer um poderia ter feito a ignominia, à esquerda e à direita. O medo de que o assassino fosse um francês “legítimo” – descendente como alguns gostam de dizer de “nossos ancestrais gauleses” – tomou conta de toda a campanha, pois ela tem sido a munição para diferentes tipos de ódio e revolta que andam pelos subterrâneos da Europa.
Felizmente em boa hora lideres das comunidades judaica e islâmica na França dão o exemplo e se unem para a luta contra a xenofobia, preconceito e fanatismo que sempre ameaçou os dois filhos de Abrahão.
Aliás, preconceito que ameaça a todos. Toda forma de fascismo esconde uma grande fraqueza, abrigada nos argumentos mais estúpidos, resultando nas práticas mais agressivas.
Além do isolacionismo cultural, épocas de crise são pródigas em muitas outras formas de segregação e estereótipos. É o que não percebem os principais candidatos da França ao uniformizarem o elogio do protecionismo e o fechamento das fronteiras. Agora são os produtos estrangeiros os grandes vilões da crise econômica pela qual passa o país. Num mundo sem criatividade e bom senso é péssima hora para aumentar o prestígio das ideias sobre protecionismo comercial e industrial e aumentar a confusão sobre o que querem de fato os franceses. Será que não aprenderam alguma coisa com a última grande crise econômica que engolfou a Europa de tal maneira e culminou com uma guerra mundial ? Comprar só produtos franceses virou uma atividade cívica e elemento polarizador da campanha. Só que embrulhar com ideologia nacionalista as dificuldades para se enfrentar a crise econômica é o mais curto caminho para piorar as coisas.
Nos anos trinta a ultra-protecionista lei Smoot-Hawley nos EUA exacerbou a depressão no mundo ao forçar politicamente todos ao protecionismo, dentro da lógica da reciprocidade. Não há meio termo que detenham a regra de que protecionismo gera protecionismo. E a escalda é uma só: todos os países passam a ter regras cada vez piores. Nacionalismo e comercio não combinam num mundo multipolar, de cadeias produtivas transnacionais, nem se harmonizam com a noção de balança comercial, um conceito de equilíbrio. Depois, com que moral quem fecha sua economia para os outros espera vender alguma coisa no estrangeiro ?
Sentimentos equilibrados andam em baixa na admirada França. País de turistas deslumbrados finge esquecer que com o comercio livre a sociedade e o desejo se encontram. Coincidência ou não, no último grande comício de Sarkozy haviam vinte e cinco mil bandeiras francesas e somente uma da União Europeia. Cada um colhe o que planta e desde o paraíso as maçãs nunca caem longe da árvore.
Paulo Delgado é sociólogo. Foi deputado federal.