O verão antes da queda

O verão antes da queda

O Globo – 4 de Janeiro de 2016.

O modelo político e econômico brasileiro não assimila o capitalismo de fato. De tempos em tempos, um gênio tenta forçar o capitalismo a assimilar suas ideias. E molemente, como sopa, um frágil capitalismo de mínimo esforço se diverte com um queixoso socialismo de esforço nenhum. E toda instituição fica submetida às forças irracionais que plasmam nossa sociedade.

Se a presidente da República continuar achando que o Brasil lhe deve algum favor pela coerência de suas ideias, precisará se convencer que governar é vergar 204 milhões de pessoas aos seus caprichos.

Já conta com um Supremo opressor, que esteriliza a vida política nacional com bizarrices interpretativas sobre regimento do Legislativo, como proibir chapa avulsa em parlamento com 35 partidos fictícios e impor voto aberto para político fraco julgar presidente cabeça dura.

Todos sabem que o impeachment atual não está baseado no Código Penal. Visa, de forma previsível, a organizar o governo que entra e interromper a desorganização do que sai. Como a crispação política e a falsa agudeza da presidente impedem a compreensão real das coisas, 2016 tem tudo para ser acrescentado na história dos fracassos brasileiros.

A presidente Dilma tem ainda tempo para interromper o percurso oblíquo e retrógrado que a escolheu e reelegeu. Poderia conduzir a mudança rompendo com o mercado precificado da eleição tradicional mudando o paradigma do imediatismo que a fez bode expiatório nas mãos de Lula. Deteria a exaustão do PT e poderia sair consagrada como luz de novos tempos. Mudar preservando, como é o movimento das marés progressistas.

Embora o PT esteja exaurido, o humanismo petista ainda não se esgotou de todo entre os filiados. Engasgados até hoje por perderam a chance de fazer Patrus, Olívio, Deda, Tarso Genro ou Jacques Wagner presidentes da República, quando a direção permitiu que Lula levasse Dilma a fazer o que não gosta. É um dilema insolúvel da esquerda o autoritarismo de líderes e aparelhos. Mas a pior surpresa foi a simbiose esquerda-direita, com seu fisiologismo, paternalismo e clientelismo, presente na aliança que Lula impôs aos governos do PT.

A sensação é que não se ultrapassa a direita na corrida ao poder porque ela está dentro da esquerda.

Por ora, ajudaria bem um ministro da Fazenda que seja político respeitado, de perfil suprapartidário, capaz de entender que o capitalismo brasileiro não quebra o Brasil com sua improvisação e delitos, mas o capitalismo internacional retira recursos da imprevisível e voluntarista política econômica.

Como as “possibilidades” e as “circunstâncias” da crise são coisas diferentes, o Brasil tem se equilibrado entre esses dois polos. O senso de urgência chegou para todos com o agravamento das condições econômicas — as circunstâncias —, mas a inércia das disputas internas dos partidos — as possibilidades — estão prevalecendo e impedindo surgir o rosto da transição.

Gigantes obscuros, falando mais de consciência do que de lei, sempre controlaram as ondas da mudança no Brasil. A democracia, quando funciona, poupa a consciência de ficar contra a lei.

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Paulo Delgado é sociólogo.

O verão

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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