Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 15 de Junho de 2014.
A FIFA é maior do que a ONU em número de países envolvidos e faz disso uma das bases da sua propaganda e de seu orgulho. Seu jogo internacional é, contudo, mecânico, comercial, cego e obrigatório. Talvez não muito diferente da instituição política que se tornou e com a qual compartilha certos vícios de governança. Ainda que seja, a princípio, uma mera associação esportiva monopolista que organiza megaeventos privados, em certos aspectos, a Copa do Mundo da FIFA, como juridicamente achou melhor ser conhecida, é a parte “suave” do atual concerto do poder global. O certo é que carrega o andor do internacionalismo sob as costas de ousados e controversos empreendedores, públicos e privados, que caminham nessas áreas em que a paixão humana se mistura com dinheiro e emoções sem afeto. E o poder que vem dali está à venda.
De uma maneira geral os países que pleiteiam sediar a Copa não sabem muito bem que Copa fazem. Não há nenhum complô, nem profissionalismo exemplar na gestão desses grandes eventos. Simplesmente não há é a possibilidade de negociar improvisadamente com esses cardumes boêmios de Cartolas que se movem em alta velocidade pelo mundo avisando anos antes que vão chegar e botar para quebrar. Protegidos pela charmosa, glacial e confidencial Suíça, que lhes garante um status fiscal especial e favorável de entidade sem fins lucrativos, a FIFA não tem medo da Receita Federal de nenhum país do mundo. Seu jeito de pavão, sua vida secreta e egoísta, vem da colossal popularidade das séries de onze endinheirados cabeças-moles, simpáticos apátridas, comprados e vendidos pelo mundo como se fossem bolas de soprar. Enchidas também por governos de direita e de esquerda que adoram deitar e rolar como a bola.
A Copa do Mundo não é um torneio organizado por beatos, nem boatos. Nunca esteve muito disposta a distinguir razão de erro. Como o torcedor chora por ganhar e igualmente por perder a emoção dos organizadores e seus árbitros é combinada antes do jogo. Por isso a FIFA não se importa: pressiona e aceita pressão. Entra nos países como ácido corrosivo de regras e autoridades impondo exigências de consumo, desfigurando paisagens, produzindo privilégios e cumprindo a promessa de tudo se permitir. Mimado demais, o futebol, que é um grande e apaixonante esporte, tornou-se mal educado e se envolve cada vez mais em maus negócios econômicos e morais. Entre nós, a Copa impôs uma regressão cultural quando suspendeu no tempo o acordo brasileiro, já aceito pelos torcedores, de buscar fazer prevalecer em ambientes públicos e coletivos um fragmento de cordialidade. Que tem mais a ver com o esporte do que devolver o álcool aos estádios indiferente às estatísticas mundiais das tragédias dele derivadas.
Nessa toada desconectada das sociedades que têm se tornado, aqui e mundo afora, cada vez mais ciosas de sustentabilidade, moralidade, transparência e percepção de boa governança, a FIFA é um caso curioso de bode expiatório que é de fato culpado.
Claro que a orquestrada má vontade da super bem financiada e conectada imprensa inglesa para com a FIFA – que tem pautado análises por todo lado – não é, assim, desprovida de origem interessada e muito menos é sinal da impropriedade de megaeventos de futebol. Bem pelo contrário, aliás. A FIFA é uma entidade privada que gere, por herança – mas não apenas por sorte, há que se conceder – um esporte transformado em paixão apropriada como negócio, que movimenta volumes financeiros completamente falsos se comparados com sua materialidade. Joia rara da coroa dos delitos fiscais que envolve atletas, times e países, sem exceção.
Em muitos aspectos e em vários momentos específicos, o fato é que, já há um bom tempo, a FIFA tem mais influência do que algumas relevantes agências internacionais. Consegue falar diretamente com mais gente. Ocupa recorrentemente inclusive mais o noticiário do que eminências do internacionalismo institucional como o FMI e o Banco Mundial. Jogos de competição servem como simulacro ao internacionalismo, mais do que as peripécias da ONU, pois são espaços de vazão para atávicas paixões nacionalistas e sectárias de toda sorte em um ambiente mais ou menos controlado. É um espaço de paradoxos, com a massa de torcedores virtuais na televisão, e os privilegiados analógicos, sorteados na internet, nos estágios.
Gestões obscuras são bem características do mundo do esporte: da Fórmula 1 ao Tênis, do Futebol às Olimpíadas. A revisão de suas práticas não deve perder de vista sua importância chave em um mundo que não quer mais guerras nem quer admirar bezerros e ouros de origem duvidosa .
PAULO DELGADO é sociólogo.
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