Ponto pacífico
Quem junta lenha, não teme o fogo. Pacífico é o que se aceita sem discussão. Tem a ver com tranquilidade e paz. Refere-se a comportamento, indica objetivos. Há uma grande contradição em falar em energia atômica para fins pacíficos ou chamar pelo seu nome o agitado oceano. São velhos costumes, não a realidade das coisas.
As centrais nucleares são um contrassenso energético à luz do progresso democrático e dos desejos de sustentabilidade e respeito aos direitos individuais. São arbitrariedades políticas a espera de catástrofes, até que a vulnerabilidade dos reatores derreta a credibilidade do Estado. O desastre natural que o oceano Pacífico fez agravar no Japão seria bem menor sem usina nuclear por perto. Pois as explosões de Three Mile Island, nos EUA, e Chernobyl, na velha Rússia, não tiveram os desastres naturais como desculpa: é a fúria intrísica do átomo e o erro humano que explodem em calor e radioatividade e debocham dos protocolos de segurança das Nações Unidas. A indústria nuclear prospera na imaturidade mundial e na força da engenharia financeira dos negócios energéticos, igualmente explosivos.
De uma maneira geral são problemas geopolíticos que levam nações a optarem pelo risco caro e imponderável de produzirem a energia da forma mais perigosa que existe. A busca de independência energética diante de nações produtoras de petróleo e gás – mas também patrocinadores de instabilidade e hostilidade política e comercial – levaram e levam muitos países a desistirem de consolidar no sistema internacional uma cultura de paz e respeito a tratados e acordos em prol de um mundo livre de poluição e energia suja.
Ao mesmo tempo, a obstinada e obsoleta dependência do petróleo e da queima do carvão fizeram do aquecimento terrestre e das mudanças climáticas os grandes aliados da expansão nuclear. Indiferente às tragédias passadas, presentes e futuras.
Entre nós a bondade geológica e climática que pode proteger nossas usinas não tem sido fator tranquilizador como parece. Ainda não temos defesa civil capaz de prevenir ou diminuir efeitos de catástrofes ambientais ou cultura cívica e política capaz de punir autoridades lenientes diante de desastres naturais previsíveis. Não há sistemas de alerta eficientes e planos de contingência que proteja a população da intensidade dos eventos climáticos. Nossas tragédias naturais são agravadas por não sabermos proteger barrancos, leitos de rios e encostas o que nos leva a acusar chuvas intensas de produzirem genocídios. É o desrespeito ao código florestal e a sua adequação às conveniências políticas em áreas urbanas o maior responsável pelo furor, mortes e sofrimento de todo verão no Brasil. Não é nada confortavel saber que, consideradas as proporções dos eventos extremos,morre-se mais de chuva e enchente por aqui do que de terremoto ou tisunami pelo mundo afora.
Enfim, nossa estabilidade geológica não nos protege da incúria nem do erro humano. Nem da manipulação tecnológica de uma fonte energética que adoece pessoas e produz desastres residuais múltiplos com cicatrizes que interferem no código genético.
Desenvolver um programa nuclear não bélico, poder construir usinas nucleares a partir da inteligência nacional são aspectos relevantes da soberania de um país para o caso de emergência. Mas saber fazer e decidir não fazer em condições normais revela soberania mais elevada e forte diferencial de país pacífico e guardião da desnuclearização do Cone Sul.
São problemas políticos embrulhados em fortes lobbies que consolidaram um modelo energético cronificado e não inteligente. Modelo que desconfia das inúmeras fontes renováveis, impedindo a articulação das redes de energia hidrelétrica com as redes alternativas na composição da matriz energética nacional e sua distribuição.
Isto sim seria pacifico: energia vinda da água, sol, vento, maré, bagaços e resíduos diversos. Inclusive esterco de porco e aterros sanitários. Sem contaminação radioativa e aquecimento global que ameaçam a vida humana.
Paulo Delgado é sociólogo e foi deputado federal por seis mandatos.