“Quanto mais leis, mais crimes”
Informes do PT – www.informes.org.br
O deputado Paulo Delgado (PT-MG) tem uma frase na ponta da língua para dissuadir os que defendem a aprovação excessiva de leis durante o período de convocação extraordinária. “Quanto mais leis, mais crimes”. Para ele, a qualidade da produção legislativa não pode ser medida pelo número de projetos apresentados ou aprovados pelos deputados. “Quanto mais atividade parlamentar irracional, mais leis imponderáveis e mais dificuldade de controle sobre o sistema legal do país”. A discussão sobre a intensidade da produção legislativa brasileira reacendeu esta semana, depois que as presidências da Câmara e do Senado e o Palácio do Planalto decidiram não incluir a chamada PEC do Recesso (nº 347/96) na pauta da convocação extraordinária. A proposta de emenda constitucional reduz de 90 para 45 dias o recesso parlamentar e inibe as sucessivas convocações do Congresso Nacional. Deputado constituinte em 1988, Paulo Delgado entende que a redução do recesso é uma discussão secundária. O ponto fundamental, para ele, é a realização de uma reforma política que priorize a disciplina partidária e afugente do parlamento brasileiro o chamado deputado showman – “aquele capaz de ter uma idéia original por dia”. O petista defende alterações regimentais na Câmara e no Senado para que o trabalho das comissões não seja interrompido durante períodos de recesso. Ele sugere ainda que o plenário das duas Casas seja convocado apenas quando houver necessidade de se tomarem “grandes decisões”. Para que os deputados se manifestem sobre “questões secundárias”, Paulo Delgado aponta a utilização da informática. Confira entrevista concedida ao Informes.
Informes – Por que a não inclusão da chamada PEC do Recesso na pauta da convocação extraordinária gerou tanta confusão?
Paulo Delgado – A confusão é um misto de desinformação e de manipulação. Evidente que se você perguntar ao eleitor brasileiro o que ele quer do seu parlamentar, ele quer que seu parlamentar trabalhe 24 horas por dia, todos os dias do ano. Só que o bom político é aquele que diz ao eleitor que isso está errado e que não é bom que um parlamento produza leis todos os dias. Porque o país não pode ser dirigido pelo parlamento. O país não pode ser surpreendido a cada dia com uma lei nova. Quanto mais lei, mais crime. Quanto mais atividade parlamentar exaustiva e irracional, mais leis imponderáveis e mais dificuldade de controle sobre o sistema legal do país.
Informes – Então a aprovação da PEC não é prioritária?
Paulo Delgado – O Brasil precisa de reforma política, e não de reforma regimental. Hoje, o grande problema do parlamento é que não existem 150 deputados submetidos a disciplina partidária. Nós temos mais de 350 mandatos avulsos, individuais, que são resultado da consciência parlamentar de cada um. São independentes. Essa consciência parlamentar individual e avulsa não contribui para que a democracia tenha regras harmoniosas. Precisamos adequar o parlamento brasileiro às novas exigências da sociedade. Dar livre curso à energia e à criatividade da sociedade e dar uma forte disciplina e conteúdo coletivo à ação parlamentar. Quando essa questão for feita, o recesso vai ser uma questão secundária porque as decisões partidárias vão predominar sobre as “brilhantes” idéias individuais e, na maioria das vezes, individualistas.
Informes – Do ponto de vista regimental, que mudanças seriam viáveis?
Paulo Delgado – Em todos os parlamentos do mundo, e há uma tradição parlamentar com mais de 200 anos, as comissões técnicas, aquelas que dão parecer substantivo e de mérito sobre uma matéria, não param de trabalhar. Nunca. Não há recesso para a elaboração de um parecer técnico para preparar uma matéria para votação, como não pode haver recesso para uma decisão política emergencial e importante. Se tivermos as comissões técnicas trabalhando o tempo inteiro, sem recesso, o parlamento pode ser convocado para votações importantes, desde que os projetos estejam prontos para votação. E aí, nós temos de criar uma comissão de desconstitucionalização de matérias e de deslegalização de leis desnecessárias. Porque, da forma como é hoje, com o contrato constitucional, o contrato social e o contrato legal brasileiros, é impossível um cidadão honesto se manter um cidadão legal o tempo todo. Ele está sempre infringindo um procedimento que a cada dia é objeto de deliberação no Congresso.
Informes – Por exemplo?
Paulo Delgado – Veja a própria emenda da Previdência. A tal PEC paralela é uma PEC da PEC. Não durou um mês a legalidade da lei (N.R.: Em 2003, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição que alterava as regras da Previdência Social. Um mês depois, o Senado apresentou uma nova emenda que altera pontos da proposta original). Ora, isso é um problema do parlamento, não é um problema do governo. O parlamento brasileiro não pode elaborar de maneira tão irracional o sistema legal brasileiro e querer que os brasileiros se adeqüem a essa irracionalidade parlamentar. Hoje, com o sistema de comunicação mais moderno e avançado e com a informatização do procedimento legislativo, algumas consultas sobre decisões parlamentares podem ser feitas independente de o parlamentar estar no Congresso Nacional. Temos um sistema de alta vigilância eletrônica, que assegura a integridade e a inviolabilidade da decisão parlamentar, seja por senha, por impressão digital. É possível, pela informática, consultar um parlamentar sobre questões secundárias. O plenário do parlamento só seria aberto para grandes decisões. Mas há um vício, o parlamento brasileiro está sempre vinculado ao passado. O passado no Brasil não passa. O parlamento funcionar de segunda a sexta-feira foi a forma que, durante o sistema bi-partidário dos 35 anos anos do período autoritário brasileiro, os parlamentares encontraram para representar os interesses da sociedade. Hoje não tem sentido.
Informes – Mas essa proposta não enfraquece o parlamento?
Paulo Delgado – Não. Enfraquece o deputado individualista. Enfraquece o deputado espetacular. Enfraquece o deputado que é capaz de ter uma idéia original por dia, o deputado de 300 projetos por ano. Enfraquece o deputado showman. Mas o deputado coletivo, o deputado que estude os programas, os projetos e a complexidade da elaboração legislativa, esse terá condições de fazer menos e melhores leis. Hoje, nós vivemos uma Constituinte permanente. Eu fui constituinte, e não houve um só ano – desde 1988 – sem que houvesse uma emenda constitucional em discussão. É impossível cumprir e ser orientado por uma lei que muda a cada ano.
Dante Accioly