A farra bancária

O Globo – 6 de agosto de 2012.

Será possível entrar de férias sem que a vida perca seu sentido?, perguntava-se Simone de Beauvoir ao refletir sobre a intensidade de Sartre, que, sempre movido a excitantes químicos, preferiu adoecer para que nada comprometesse sua capacidade de trabalho. Sei que é um pouco demais pensar em bancos valendo-se de filosofia, mas os movimentos seguros feitos por Brasília e Paris para diminuir a intoxicação que a especulação financeira impôs ao mundo fazem de Dilma e Hollande as principais figuras de esperança para uma saída da crise econômica atual.

A crise financeira se estende e mantém na penumbra as perspectivas da economia real. Enquanto muitos dos maiores bancos do mundo andam às voltas com o escândalo da manipulação da Libor (a taxa interbancária da City em Londres, na qual se baseiam mais de meio trilhão de dólares em produtos financeiros) e as agências de classificação de risco se desmoralizam com suas encomendadas análises, líderes continuam com dificuldade para implementar medidas moralizantes que coloquem o sistema financeiro em sintonia com os interesses de uma economia para o desenvolvimento. Não tem sido fácil combater a pressão dos bancos pela manutenção da boa vida de poucos, que está quebrando países ao redor do mundo.

Na quarta-feira da semana passada, entrou em vigor na França um aumento – pequeno, de 0,2% apenas, mas simbólico – na taxação de transações financeiras feitas no país. O aumento do custo da transação financeira de natureza potencialmente especulativa, por mais infinitesimal que seja, tem efeitos estabilizantes desejáveis. A ideia não é nova e remonta às proposições do economista americano James Tobin referentes ao controle da especulação nos mercados de câmbio. A decisão francesa se enquadra no conjunto de regulamentações e taxas visando à diminuição dos incentivos para a especulação financeira predatória. Tais medidas têm sido tratadas nos fóruns multilaterais desde a crise de 2008, mas esbarram no medo de a autoridade exercer autoridade sobre os fortes. O ideal é que um acordo internacional se produza nivelando o campo de jogo das finanças, dando férias compulsórias à extorsão bancária.

Quando o governo Dilma se distancia da agenda bancária, a primeira reação internacional do mercado financeiro é dizer que o Brasil vai hibernar se abandonar a política de juros altos. Na prestigiada revista “Foreign Affairs” deste mês, o centro da polêmica está sob o título “Quão arruinado está o Brasil?” A síntese é: nossa presidente, com sua queda por investimentos produtivos e juros baixos, faz um governo intranquilo para especuladores.

Ainda chegaremos a um tempo em que as pessoas olharão para trás e se assustarão com a permissividade em tão larga escala dos ganhos privados sem compromisso com retornos sociais. Ao confinar a sociedade em dívida e desmoralizar a atividade produtiva, a farra bancária arruinou seu particular e pleno uso. Seu drama é o da fruta que adoeceu o seu caroço.

Ainda chegaremos a um tempo em que as pessoas olharão para trás e se assustarão com a permissividade em tão larga escala dos ganhos privados sem compromisso com retornos sociais. Ao confinar a sociedade em dívida e desmoralizar a atividade produtiva, a farra bancária arruinou seu particular e pleno uso. Seu drama é o da fruta que adoeceu o seu caroço.

Paulo Delgado é sociólogo e foi deputado federal.


Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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