O Globo – 1º de outubro de 2012.
O governo quer ampliar e modernizar a infraestrutura portuária do país e atrair investimentos de R$ 30 bilhões em cinco anos. Para isso, terá que superar as redes de legalidade informal – os clientelismos – que pressionam a autoridade e travam a boa regulação e competitividade do setor. Vai precisar de coragem e método para enfrentar assimetrias de realidade e informação, que encarecem a vida econômica nesses cartórios que são nossos portos. Saindo-se bem podemos ultrapassar a combinação de “confusão e ordem” legal que nos domina e tem levado ao colapso da infraestrutura do país e ao fracasso da construção e manutenção de bens de uso coletivo, mas que, no entanto, não impede a formação de oligopólios de sucesso e abusadas fortunas à sombra do Estado.
A determinação de destravar os portos e avançar no processo de parceria com o setor privado enfrenta duas armadilhas que ameaçam o impacto de uma decisão realmente boa para o crescimento do país. A primeira é imaginar que organizar leilões, baseados no princípio da concorrência por menor preço, num setor que opera em cadeias de comércio altamente internacionalizado, significa competição e garantia de qualidade e eficiência. A segunda é um arcaísmo: admitir, no programa de abertura dos portos, a doação ou outorga de terminais a uma parte do setor privado, constituindo os chamados portos mistos, para que opere, ou continue a operar, sem licitação. Nos dois casos, os clientes não precisarão se interessar pela sorte da nação. Os primeiros porque compensarão o que perderam manipulando o preço do frete que está fora de controle de qualquer agência estatal. Os segundos porque, ungidos com um bem público para uso privado, como não foram submetidos aos custos e obrigações de uma licitação ¬– que exige investimentos, prazos e devolução das benfeitorias ao Estado – competirão desigualmente com os portos licitados, operando carga de contêineres como se fosse carga própria.
É certo e razoável, num país como o Brasil, com forte tradição exportadora de minérios e produtos agrícolas, que existam terminais de carga própria de empresas de granéis e outras commodities. Nesse caso, o porto adaptado para essa carga é parte indissociável do ciclo econômico do produto. Por isso, a regulação deve admitir que os pequenos exportadores associem-se em cooperativas para uso de terminais também próprios, evitando assim sua dependência da opressão sofrida nos terminais dos grandes exportadores.
O recente decreto que abriu os portos contribuiu para diminuir nossas debilidades, aumentando a produtividade total da economia brasileira. Agora, para ir além, é preciso interromper as doações e garantir eficiência e competição depois das concessões. Para desestimular a privatização predatória, as regras do regime jurídico devem ser pró-competição e contra a formação de oligopólios. Se o marco regulatório mirar no princípio do maior investimento e da redução dos custos portuários, será possível fugir do mito da ilusão competitiva dos leilões por menor preço. E ver procedimentos universais sepultarem arcaicas exceções.
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PAULO DELGADO é sociólogo.
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