O Globo – 7 de novembro de 2011.
A Unesco cuida de ficção científica, não de ficção política, reagiu irritado o embaixador de Israel ao ver vitoriosa a pretensão da Palestina de ser aceita como estado-membro pleno da organização. Os Estados Unidos, governados pelo Prêmio Nobel da Paz, foram aos cofres e comunicaram que suspenderam sua contribuição financeira à entidade das Nações Unidas que cuida de educação, ciência e cultura.
A Alemanha, que sessenta anos atrás, liderada pelo Chanceler Konrad Adenauer, abriu caminho para a reconciliação com o povo judeu, votou contra os palestinos. Virou as costas à própria história que em 1951 levou Adenauer a dizer ao parlamento (Bundestag) que “o governo federal, e com ele a grande maioria do povo alemão, está consciente do sofrimento imenso que, no tempo do nazismo, foi feito sobre os judeus na Alemanha e nas regiões ocupadas. O povo alemão, na sua maioria preponderante, detestou os crimes cometidos aos judeus e não participou neles”. Reconhecer a verdade e o erro é a senha diplomática para instalar os “convênios de reparação” entre povos civilizados.
Desde que o inteiro teor da primeira resolução dos dois Estados – divisão da Palestina em três entidades: um Estado judeu, um Estado árabe, uma jurisdição internacional em Jerusalém – entrou unilateralmente em vigor, por negligência da ONU, as desavenças e os conflitos entre árabes e judeus – dois filhos de Abraão – se agravaram. Mas nem o pior do fanatismo daí derivado pode ser comparado ao holocausto.
Se Israel aceitou que predominasse a verdade e a reparação naquele caso extremo, por que insistir na violência da ocupação territorial como instrumento da afirmação política? Pois foi o que fez seu governo em seguida à derrota na Unesco ao acelerar a ocupação de áreas contestadas da Cisjordânia e Jerusalém Oriental. De outro lado, a vitoriosa ousadia política da ação diplomática – que teve o apoio vigoroso de mais de cem países – perderá força se a Autoridade Palestina não reconhecer, também, a legitimidade dos judeus em relação à terra onde está o Estado de Israel.
Se decidirem se libertar das sequelas da Guerra Fria – a mais trágica e persistente herança político-militar deixada no Oriente Médio -, que continuam manipulando a região, árabes palestinos e israelenses judeus poderão juntos percorrer o caminho comum do seu passado colonial. Descobrirão que são dois povos marcados por humilhações, diásporas e exílios. E assim, ao exorcizarem os fantasmas dos dominadores, que instalaram ali um conflito internacional, poderão estabelecer os compromissos para viver como vizinhos.
Ao contrário do que afirmou o presidente Obama, há, sim, “atalhos para a paz”. Especialmente se forem construídos dentro das agências multilaterais do sistema internacional. As soluções de compromisso e responsabilidade mútua, tendo como fiadores os países-membros da ONU, podem compensar a limitação que as autoridades atuais encontram para levar adiante o processo de paz. Todas as soluções bilaterais de cúpula já foram tentadas e fracassaram. Talvez seja hora de reconhecer que os dois povos são melhores do que os seus líderes atuais.
A paralisia da política, sucumbida à tentação de resolver os problemas pela polarização ou bombardeio, não se dá conta da identidade comum que nos faz civilizados. Reconhecer direitos fundamentais e naturais dentro de fronteiras, e assegurar justiça para todos fora do jogo de poder entre as nações – que contamina o Conselho de Segurança -, pode parecer um sonho distante para os pragmáticos realistas. Mas, como a ação política impulsionada pelo senso de injustiça não garante que suas consequências serão boas, é hora de ir refletindo e agindo por acordos e arranjos parciais.
É simbólico entregar para a Unesco a responsabilidade de discutir o patrimônio material e imaterial que cabe aos dois irmãos. Melhor seria começar pela Unicef, protegendo a integridade das crianças, ou pela OMS, e o direito à saúde. Quem sabe assim a grande política acordaria para o dano que a estupidez da guerra causa ao ser humano.
Paulo Delgado é sociólogo, foi deputado federal.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. This category only includes cookies that ensures basic functionalities and security features of the website. These cookies do not store any personal information.
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.