E o banco reincide

CORREIO BRAZILIENSE. Brasília, segunda-feira, 20 de março de 2006.

“Atirai, se for preciso, nesta cabeça branca, mas poupai a bandeira do país.” Talvez seja perda de tempo dar uma opinião sobre o CitiGroup lembrando-lhes o libelo de Barbara Frietchie, heroína de Maryland, consagrado em verso pelo poeta John GreenleafWhittier. Nos EUA divididos do século 19, um lado acusava o outro de atrasado e corrupto. Diferente de hoje, espero, embora subsista por lá quem considere corrupto e atrasado o velho e novo mundo não americano, estados confederados de além mar, a serem conquistados a qualquer preço.

Não há como salvar as aparências: são tortuosos, cheios de truques e falsamente complexos os contratos de opção de venda obtidos pelo Citibank junto aos fundos de pensão brasileiros. É um acordo de coação, certamente resultado do indevido senso de segurança obtido pelo Citi diante do que deve considerar o “espírito” do país. Inexplicavelmente mantido apesar da condenação e advertências recebidas pelas suas ousadas e heterodoxas operações e ações, identificadas pelo comitê de finanças do Senado norte-americano no México, Japão, Chile e Argentina. No Japão, a rejeição feroz a infringências legais levou ao fechamento de agências, em virtude deste modelo de gestão temerária em busca de posição no ranking nacional a qualquer custo.

Podemos estar diante de mais um dos escândalos corporativos e dos controversos contratos em que se envolve ao redor do mundo o Citibank, rompendo regras de reciprocidade e elementares princípios do Trade act, internacionalmente partilhando. Só o poder devastador do capital que se sente sem antagonismo pode produzir prejuízos a instituições nacionais, sugerir interferência no Judiciário e impor sigilo a membros da administração pública com os quais se envolve.

A organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que concorrentes honestos perderam 77 de 294 contratos internacionais, nos últimos cinco anos, devido ao enfraquecimento do comércio livre e justo e da violação de boas práticas por atividade incorretas.

O óbvio tem que ser dito: a autoconfiança indevida no mundo corporativo e financeiro é que pode estar levando o banco a propor, em terceiro país onde atua, cláusulas fora dos procedimentos usuais do mercado, sem contrapartida em favor daqueles com os quais se associou. Pelo contrário, impõe ação ilegítima aos fundos de pensão, tais como a relatada, ano passado, por um jornal fluminense, sob o título “Negociação contraria as leis brasileiras, os regulamentos setoriais e as normas de órgãos federais”. Ali está dito que os fundos de pensão foram obrigados a fazer um acordo secreto com o Citigroup, onde lhes foi imposto aceitar realizar um negócio em 2007 mesmo que ele contrarie as leis nacionais, os regulamentos setoriais e as normas de órgãos federais com poder de fiscalização. As cláusulas desse contrato são analisadas também por um jornal especializado em economia, sob o título “Procurador denúncia ao TCU acordo dos fundos com sócio americano”, onde se afirma a possibilidade de risco iminente para a saúde financeira dos fundos de pensão obrigados a comprar ações do banco norte-americano com ágio equivalente a 240% do valor de mercado. Um jornal paulista do início deste mês informa em matéria sob o título “Juíza se afasta de casos com o Opportunity” que obteve documentos do processo que consolidou os interesses do Citi junto aos fundos de pensão. Julgados na 2ª Vara Empresarial da Justiça do Rio, diz a reportagem que o processo tem sentença que não é de autoria da juíza.

Ora, são cada vez mais evidentes e recorrentes as notícias sobre as ousadas e crescentes movimentações do Citigroup no Brasil nos últimos anos. Como se tivesse recebido um mandato para o arbítrio e o transferisse para o sócio convidado a colocar a cara a tapa. Resta saber se tal conduta está fora do padrão da rigorosa legislação americana para o setor ou das advertências de organismos multilaterais e governos nacionais onde o banco atua.

Na vida diária dos Estados Unidos, a lei e os costumes estabelecem certas restrições a cidadãos nacionais e estrangeiros, especialmente na área econômica e financeira. E, desde o final dos anos 80, para todos os negócios envolvendo empresas ou grupos norte-americanos em suas ações também no exterior.

A desenvoltura no Brasil não pode produzir mais um escândalo, devem estar alertas as autoridades da Fazenda de dois países que se respeitam. Da relação entre nossos países, em geral boas desde o século 19, que nos fiquem exemplos de cooperação e grandeza e da boa prática financeira e comercial, base dos bons costumes.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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