O Globo – 2 de Fevereiro de 2015.
Nas situações de dificuldade, em que algum princípio é admitido, lembro sempre da vida. Quando o destino é conviver com a existência de quem não tolero, sinto-me de fato governante. A forma sombria de encarar o dever de fazer regime não foi amenizada pelo jantar dedicado a proteger o que é parco sem impor à sociedade o modelo de endividamento que lhe tirou a saúde.
Tantas repartições, leis, um mundo de autoridades que é difícil entender onde está o erro. O contador olha para trás, resolve o problema das contas furioso por ter sido consultado tarde. O balanço só fecha com cortes. O economista olha para frente, vislumbra novas perspectivas, quer mais receita. A ordem é fazer brilhar o corriqueiro, equalizar despesa e receita. Os dois se encontram. Decidem rodar o carrossel da economia estatal mirando outra vez a sociedade.
República, Democracia, Cidadania: três formas sádicas que se vingam dos que não dormem, sempre os alvos desta adoração pública pelo bolso dos outros. Poder, o míssil propulsor entra em órbita, liderado pelos gênios iguais que espalhamos por ai para dar aulas sobre o que acabaram de aprender. Impiedosos, não podem ficar desatentos ao inferior gastador, o homem livre e de desejo infinito. Consagrado pelo sacramento do mando, o governante não tem um pressentimento complexo de suas próprias limitações. “Pacote”, a bonança econômica da tempestade politica, o caro que não adianta, o barato que não funciona.
O que se pode saber de um governo, hoje em dia? A América do Sul só vê perto. Não olha o futuro, não se interessa por enxergá-lo. Quanto de dinheiro deve ser gasto pelo Estado e com quanto você deve ficar para gastar com sua família, perguntou a dama conservadora ao parlamento perdido. A progressista não se sentiu provocada e deixou transparecer que tradicionalmente se mete na vida de todos através da bagunça financeira. Esgotamos todo o dinheiro dos impostos e queremos mais quando ele acaba, respondeu.
Mas o Estado não tem outra fonte de recursos do que o dinheiro que as pessoas ganham para si próprias, insistiu didaticamente. É uma derrota se o Estado decide gastar mais do que tem. Isto só é possível tomando emprestado o dinheiro dos outros, roubando sua poupança ou cobrando mais tributos. Seria uma vitória se todos se dessem conta que não existe essa coisa de dinheiro público. O dinheiro que existe é o de quem paga imposto.
É possível engordar sem saúde, a prosperidade que parece vir da invenção de mais proteção social, mais gasto público. Será que alguém se considera mais rico por ser mais dependente? Ninguém enriquece ao perder a liberdade de iniciativa e não é justo cobrar das pessoas mais do que elas podem pagar. Um visionário não deixou passar a deixa: então podemos dizer que proteger a carteira do cidadão é o maior de todos os direitos sociais? Conciliando isto com a proteção dos serviços públicos é maior ainda.
Nós não temos outra vida para perder. Quando alguém quis saber se alguma coisa não fazia parte do Ajuste Fiscal, o idiota da família percebeu que o futuro é o que há de pior no presente.
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Paulo Delgado é sociólogo.
Leia também em: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-idiota-da-familia-15206459
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