O velho pássaro raro

Em política as virtudes se definem pela qualidade dos vícios superados

Não são os fundamentos econômicos capitalistas que atualmente estão na base da perda ou ganho de riqueza das nações e de indivíduos. São as extravagâncias financeiras que sublimaram o volume de dinheiro deslocado da realidade. Daí concluir que o Estado deva assumir as funções econômicas e produtivas da nação é dar uma anestesia geral para uma cirurgia local. Com risco de sufocar o dinamismo do mercado e avançar sobre toda a sociedade com a lógica, o ritmo, as prioridades e a natureza da administração pública.

Ao subestimar a capacidade de produzir riqueza que a economia livre tem – capacidade humana e profissional de adaptação e renovação em períodos de crise – os Estados nacionais continuaram antiquados vetores do progresso da nação contra os seus próprios interesses. Para o Estado ser saudavelmente maior é necessário tributar uma economia maior, mas para que a economia se torne de fato maior é necessário que ela seja menos tributada. Ao contrário, a regra é a diluída objetividade da ação do Estado tornar-se disfuncional quando se mete no setor privado como protagonista. O corporativismo, que é da natureza do setor público, reduz a influência e a pressão dos fatores externos essenciais à inovação. Impor ao consumidor e ao contribuinte os princípios da estabilidade – essenciais ao caráter do Estado – é privá-lo das vantagens da competitividade, marca do mercado. No fundo é bom para todos regulação adequada sem intervenção voluntariosa, pois cidadão, contribuinte e consumidor são sempre a mesma pessoa.

Esses princípios servem também para aumentar a capacidade de gerar empregos. O direito a livre contratação, com a contrapartida salarial justa, é a face humana da economia vinculada à competitividade dos seus produtos e serviços. O excesso de normas para contratar e demitir, além de não garantir o emprego dos empregados, limita o horizonte legal e trabalhista dos desempregados. Todas as empresas viáveis vivem a implacável necessidade de dedicação ao dinamismo gerencial, renovada qualidade, atenção às demandas do mercado, especialização, diversificação da cadeia produtiva, agilidade dos concorrentes, busca permanente de talentos. Todos os dias são criados e extintos postos de trabalho, havendo ou não recessão. Modernizar as obsoletas leis trabalhistas, pois, ajuda a enfrentar os dilemas entre formalidade e informalidade, ordem e confusão que dominam nosso engessado mercado de trabalho.

O Estado precisa ser reestatizado e contido em seu tamanho ideal. Em todo o mundo o clima político alimentado pelas notícias econômicas o estimula a querer ir além do seu papel e infantilizar a nação. Não há nada que prove que o Estado seja bom para tudo e que só reste ao cidadão fazer concurso público. Em política a virtude se define pela qualidade dos vícios superados. A expansão do Estado não é garantia de nova mentalidade cultural, estímulo capaz de tirar a sociedade da inércia.

A competência para ser compensadora precisa que a incompetência se torne dispendiosa. Veja o caso da General Motors. Uma empresa superada pelo dinamismo gerencial e tecnológico de seus rivais, japoneses e europeus, é socorrida pelo Estado americano que vai lhe impor a inflexibilidade organizacional estatal que são as próprias raízes da sua falência. Washington tem poucas lições a dar a Detroit. Acaba é mantendo a GM pública na garagem. A lógica da capital política não é aplicável aos centros industriais e produtivos.

A cupidez não torna o Estado essencial ou eficiente. É um erro colocar-se como o elemento determinante de todas as estruturas sociais, econômicas ou espirituais. Modernizar o país para que a economia seja mundialmente competitiva é mais adequado do que querer protegê-la da competição internacional. Nada de querer ser o agente direto do crescimento mas sim o garantidor de contratos, regulador de setores essenciais, inibidor do monopólio promovendo a eficácia do Judiciário, elaborando leis compreensíveis e justas, tratando o indivíduo como cidadão-contribuinte-cliente. E ordenar com normas inovadoras sua jurisdição e administração.

Ser um Estado racional com objetivos claros que usa meios adequados para atingir seus fins. Concentrado na sua vocação para servir ao público e vendo nisso a valorização do cumprimento de um dever, uma função rara e suficiente. Ser o pássaro de Minerva, da sabedoria, deixando a sociedade continuar seu voo em busca do pássaro azul da felicidade.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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