Ontem e tão distante

Diplomacia e esquadra não se improvisam

A evidência é um espetáculo que não deixa dúvidas. Por isso não são bons bombeiros os que pisam na mangueira. Onde está a incandescência da crise atual? Explicações, obsessões, exortações lembram mais o atrito das coisas, umas atrapalhando a compreensão das outras. Temos desajustes próprios, nossa crise dentro da crise dos outros.

Começamos o ano como os maiores produtores de etanol do mundo – a maior tecnologia verde do momento – limpo, que não compromete a produção de alimentos nem agrava o aquecimento global. Em poucos meses, com as profundas possibilidades do pré-sal e o barril a 150 dólares já queríamos entrar na Opep, esburacar o mar, vender lotes na água. A Petrobras até se esqueceu de fazer poupança, corriqueira previsão orçamentária, e termina o ano pedindo dinheiro ao governo para pagar ao governo. Pode não querer dizer nada, mas exige explicação. O certo é que chegamos, na Conferência de Poznan, Polônia, com menos força para liderar os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo e os debates sobre mudanças climáticas pós-Kyoto.

Veio o investment grade e a esperada inundação de investimentos não quis dizer mais do que realmente é. Um certificado.

Na América do Sul, a idéia da integração amiga se desfaz de maneira rápida a ponto de sermos tratados como um FMI dos vizinhos. Conseguimos, de forma inédita, transformar a admiração distante em ódio próximo e ativo. Desde a Argentina, que doma o Mercosul como se fosse um cavalo dos pampas, ao militarismo civil de Venezuela, Equador e Bolívia. Passaram a entender que o que é dado de graça entre Nações ou é ajuda humanitária ou pode ser cobrado de qualquer maneira, com desfaçatez. O Paraguai também cobra pela antipatia. Nas brechas das idiossincrasias que o Itamaraty estuda e conhece. Diplomacia e Esquadra não se improvisam!

A produção de grãos – nossas commodities agrícolas que abasteceriam o mundo no primeiro semestre – está agora ameaçada com queda de produção, execução por bancos que lhe toma máquinas, perde mercado interno e externo. Frango e carne sofrem restrições na Rússia e na China, países que brindamos com o título de economias de mercado e nos retribuem bloqueando nossos produtos mais competitivos.

Câmbio e usura, o samba de uma nota só do Banco Central, volátil, flutuante e caro se converteram em destino. Um dos algozes do desenvolvimento do país no período das vacas gordas é o principal veneno do período de crise. O mal em tempos bons parece bem. A Fazenda agrava as coisas com o aperto fiscal e a falta de limites ao poder de tributar, menos percebidos quando a esmola é farta e a acumulação ilimitada. Criado para proteger o país da inflação nos anos 90, o Copom é hoje a catedral obsoleta da financeirização da economia. Encarece o dinheiro, detém o investimento e ajusta o tamanho da nação à sua compreensão da economia. Guardião da confiança na moeda, espalha desconfiança

Os setores extrativo-minerais, dependentes do mercado externo, construção civil e indústria automobilística, vão liderando as demissões de trabalhadores. Os sindicatos, avessos a inovações trabalhistas, pouco terão a contribuir se continuarem temerosos de enfrentar a alta informalidade. Causada pela hipertaxação fiscal praticada entre nós e a falta de regulação da terceirização de serviços próprios dos tempos de alta especialização e novas formas de trabalho sem emprego. No Brasil é caro admitir, manter e demitir com qualquer salário pago. Essa é a principal razão do desemprego e da informalidade entre nós.

Graves tempos tão próximos da bonança. Como pouco foi feito durante a farra, melhor ter juízo na ressaca.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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